Capítulo 1, "Ações e Reações"
Apesar de, provavelmente, estares sentado enquanto lês isto, o teu organismo não está, de forma alguma, estático. Milhares de enzimas no teu organismo trabalham incessantemente a cada segundo de cada dia, convertendo os componentes dos alimentos que ingeres em energia para processos vitais essenciais. Visão, movimentos, memória – o que quiseres, há enzimas a trabalhar nos bastidores.
As enzimas funcionam de modo a permitir a ocorrência de reações químicas no teu organismo. Ainda que possa parecer insignificante, é preciso ter em consideração o facto de que sem a existência de enzimas, a conversão de nutrientes e minerais em moléculas biológicas utilizáveis, tais como proteínas e ácidos nucleicos poderia prolongar-se por semanas, ou mesmo anos. As enzimas podem fazer com que isto se processe em minutos e, por vezes, mesmo segundos.
Como é que elas fazem tudo isto, e tão bem? As enzimas atuam como o pedal acelerador de um carro. Mas também desempenham o papel de "casamenteiro", juntando matérias-primas (designadas por substratos) e convertendo-as em produtos finais (designados por produtos de reação). Um dos segredos do sucesso das enzimas nesta tarefa reside na sua forma. A forma da enzima permite-lhe abraçar firmemente o seu substrato. Este abraço molecular desencadeia alterações químicas, modificando forças de atração químicas, designadas por ligações e produzindo novas moléculas. Apenas aquelas enzimas que são específicas para os seus substratos são eficientes na catalisação de reações químicas. Mas isto não se fica por aqui: as reações não são eventos isolados. Elas ocorrem incessantemente. As enzimas são as protagonistas, estabelecendo ligações entre as reações em cadeia dos acontecimentos químicos que culminam na nossa fisiologia. Tal como uma fila de peças de dominó, o produto de uma reação química torna-se no substrato de outra. As enzimas constituem a essência destas vias ordenadas, as quais são, por sua vez, a base do metabolismo. Num sentido geral, é através do metabolismo que qualquer organismo obtém energia a partir do ambiente e a utiliza para o seu desenvolvimento. O funcionamento adequado de pequenas e grandes porções do corpo radica na comunicação eficaz intra e inter vias metabólicas. Isto inclui tudo, desde pequenas porções de DNA que se organizam em todos os teus genes até um órgão complexo constituído por muitas células, como o coração. Através da compreensão do funcionamento dos sistemas de comunicação fisiológicos, os cientistas podem desenvolver métodos que lhes permitam completar os circuitos quando estes são interrompidos, no caso de doenças e patologias.
O Que é a Bioquímica?
Bio+química = a química dos organismos vivos
Simplificando, bioquímica é vida. Na prática, a bioquímica é a nossa vida: o que somos e como vivemos. Os nossos organismos são fábricas muito atarefadas, obtendo energia a partir dos alimentos que ingerimos, construindo células e tecidos e orquestrando tudo numa unidade funcional, utilizando ferramentas moleculares designadas por enzimas. Criaturas tão distintas como bactérias, girafas e pessoas utilizam muitos dos mesmos conjuntos de ferramentas bioquímicas para sobreviver, alimentar-se, deslocar-se e interagir com os seus respetivos ambientes. A bioquímica subjaz à nossa saúde.
A Atividade da Vida
Os peixes nadam, as aves voam, os bebés gatinham. As enzimas também nunca param. O motor mais pequeno do mundo é, na realidade, uma enzima que se localiza na central energética da célula (a mitocôndria), que produz energia sob a forma de uma molécula denominada adenosina trifosfato, ou ATP. Frequentemente apelidado de "moeda" de troca energética da vida, o ATP viaja entre células e é transacionado durante reações químicas. Estas transações moleculares conduzem as reações para a obtenção de um produto. Várias décadas de trabalho mereceram a três cientistas — Paul Boyer da University of California, Los Angeles, John Walker do Medical Research Council, Reino Unido e Jens Skou da University of Aarhus, Dinamarca — o Prémio Nobel, por desvendarem como o motor, uma molécula denominada ATP sintase, funciona como um conjunto de alavancas moleculares, engrenagens e grampos. Outros motores moleculares incluem máquinas proteicas que transportam cromossomas ou proteínas através da célula. Também, a enzima que copia o DNA aumenta a sua processividade com a ajuda de um motor molecular. A fonte de energia para este e todos os outros processos mediados por motores moleculares é o ATP.
É um Gás!
Entediantes e longas viagens de carro incentivam jogos de palavras, como o "20 perguntas", no qual os jogadores se revezam a pensar num objeto secreto e são interrogados pelos seus adversários, que vão colocando questões progressivamente mais detalhadas, de modo a conseguirem identificá-lo. Neste jogo, a primeira questão é sempre "Animal, Vegetal ou Mineral?". Virtualmente, tudo o que possamos imaginar pode ser incluído numa destas três categorias.
Os químicos podem jogar um jogo semelhante a este, em que o objeto mistério é uma molécula – qualquer molécula. Neste jogo, a primeira questão seria sempre "Sólido, Líquido ou Gasoso?" Olhando pela janela, é fácil pensar em itens para cada categoria: as pedras são sólidas, as gotas de orvalho são líquidas e a atmosfera é uma mistura de vários gases. Mas há uma rasteira: teoricamente, qualquer molécula poderia, efetivamente, ser sólida, líquida ou gasosa, dadas as condições ideais. Na sua forma pura, o facto de uma molécula ser sólida, líquida ou gasosa, depende do ambiente em que se encontra, nomeadamente no que se refere à temperatura ambiente e à pressão atmosférica. A água é um exemplo simples. Todos sabemos que abaixo de 0ºC a água é sólida e acima de 0ºC a água é líquida. Põe uma chaleira ao lume e podes observá-la a tornar-se num gás.
Os nossos corpos também contêm uma diversidade de sólidos, líquidos e gases. Mas destes três estados físicos, aos quais os químicos se referem por fases, o líquido é aquele que está mais representado nos organismos vivos — a água é o solvente universal da vida. As unhas, os cabelos e os ossos são, de facto sólidos, mas apenas nos componentes mortos. As células vivas do osso e da medula óssea desenvolvem-se num ambiente aquoso. Também é possível encontrar gases através do corpo; alguns exemplos incluem o oxigénio que inspiramos e o dióxido de carbono que expiramos. Mas, mesmo no corpo, estes gases estão dissolvidos em líquidos — principalmente no sangue, o qual é maioritariamente constituído por água.
Um gás, o óxido nítrico (cujo símbolo químico é NO), desempenha várias e úteis funções no organismo. Os cientistas ficaram relativamente surpreendidos há poucos anos quando descobriram que o NO é um mensageiro químico. Pequeno e difícil de estudar em laboratório, o NO iludiu os cientistas durante muitos anos. Outros mensageiros moleculares – tais como neurotransmissores e proteínas de maiores dimensões – podem ser extraídos dos fluidos corporais com relativa facilidade e estudados em tubos de ensaio, onde podem ficar intactos durante minutos, ou mesmo horas, a temperaturas corporais. O NO, por outro lado, desaparece em segundos. Ainda que esta propriedade dificulte imenso o seu estudo, esta volatilidade converte o NO numa molécula extraordinariamente versátil. Muito sumariamente, o NO pode dilatar vasos sanguíneos, auxiliar à transmissão nervosa de sinais elétricos, ou combater infeções.
No entanto, para além de ser um amigo, o NO também pode ser um inimigo – uma quantidade muito elevada ou muito reduzida deste gás pode ser prejudicial. Vasos sanguíneos que tenham sido muito dilatados podem levar a choque hemorrágico potencialmente letal, uma situação na qual a pressão sanguínea desce para níveis tão reduzidos que órgãos vitais são privados de sangue em quantidades necessárias à sua sobrevivência. Uma resposta imunitária excessiva — desencadeada por NO — pode provocar uma síndrome dolorosa denominada doença inflamatória intestinal. Com tudo isto em jogo, o organismo trabalha minuciosamente para controlar a produção deste poderoso gás.
Encurralado?
A imagem estereótipo do cientista como uma bata branca sem rosto curvada sobre um microscópio no canto de um laboratório nunca foi muito acertada, mas atualmente está, ainda, mais incorreta. Apesar de muitos cientistas passarem muito tempo nos seus locais de trabalho, eles dependem consideravelmente da interação com outros cientistas no sentido de partilhar ideias e validar conceitos — em conferências científicas, junto à máquina de café ou através de e-mail. Apesar de um cientista poder passar anos no seu laboratório a tentar desvendar uma pequena peça de um grande puzzle — por exemplo, o modo de funcionamento de uma determinada enzima — passa também muito tempo a comunicar com outros cientistas com o objetivo de aprofundar a compreensão de segredos moleculares.
Bioquímica em Ação: Conhecem-NO?
A molécula que produz o NO é uma enzima denominada óxido nítrico-sintase (NOS). Em concordância com as múltiplas funções do óxido nítrico no organismo, existem três versões diferentes de NOS, especializadas para os sistemas cardiovascular, imunitário e nervoso. Recentemente, os cientistas alcançaram uma importante vitória ao começar a perceber o funcionamento da NOS. Thomas Poulos da (University of California, Irvine), determinou a estrutura, ou forma tridimensional, de uma das formas da NOS. Uma vez que as associações específicas entre uma enzima e o seu substrato dependem de um encaixe específico, perscrutar a estrutura tridimensional de uma enzima ou de outra proteína pode permitir aos cientistas começar a compreender o modo de funcionamento da proteína, prever outras moléculas às quais se pode ligar e desenvolver medicamentos para estimular ou inibir a sua atividade. A partir de uma amostra de NOS proveniente do laboratório de Bettie Sue Masters da (University of Texas Health Science Center, San Antonio), Poulos obteve uma ideia da forma da NOS, bombardeando uma pequena estrutura cristalina da proteína com raios-X e definindo a sua forma a partir das direções de dispersão da energia através do cristal. Este trabalho, que se prolongou durante dois anos, concebe a estrutura da NOS como consistindo em duas unidades idênticas. Numa célula, as duas unidades de NOS associam-se topo a topo, originando um novo cenário a partir do qual substratos e moléculas auxiliares se reúnem para completar a tarefa em causa: produzir óxido nítrico a partir do aminoácido arginina. No caso da NOS, as auxiliares incluem ferro e uma pequena molécula designada por cofator. Enzimas como a NOS estão perdidas sem estas auxiliares.
O Ácido Fólico Salva o Dia
Na culinária, alguns ingredientes não são, de forma alguma, opcionais — sem fermento não há queques. Tal como o fermento é essencial para algumas receitas, as moléculas auxiliares designadas por cofatores são ingredientes indispensáveis para muitas reações bioquímicas.
É o caso do ácido fólico (uma das vitaminas B), por exemplo. Os cientistas sabem há décadas que o ácido fólico pode conferir alguma proteção contra certos defeitos congénitos — como por exemplo spina bífida — que ocorrem durante as primeiras semanas após a fecundação. Por este motivo a FDA (Food and Drug Administration, entidade norte-americana para a segurança alimentar e farmacêutica) recomenda que cada mulher em idade reprodutiva suplemente a sua dieta com 400 microgramas desta vitamina. Os cientistas descobriram que o ácido fólico desempenha as suas funções através da redução dos níveis de um composto potencialmente nocivo, denominado homocisteína, que também pode estar envolvido em enfartes do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais. Ao que parece, o ácido fólico acelera a conversão de homocisteína em metionina, um aminoácido não tóxico indispensável ao organismo.
O ácido fólico intervém melhorando a afinidade da ligação entre a enzima e o seu cofator. A enzima neste caso é designada, abreviadamente, por MTHFR e o seu cofator, uma molécula denominada FAD, é também derivado de uma vitamina (da vitamina B12) e é essencial para a conversão de homocisteína em metionina. Martha Ludwing e Rowena Mathews, ambas da University of Michigan Medical School, Ann Arbor, determinaram que, ao ligar o FAD à MTHFR, o ácido fólico desempenha esta função protetora no organismo.
Atracando à Doca
Tal como um navio a encostar à doca, muitas proteínas necessitam da ajuda de uma ou mais proteínas diferentes para desempenhar as suas funções adequadamente. Contudo, ao contrário dos navios, as proteínas que encaixam, modificam frequentemente a sua configuração como consequência deste encontro. A proteína com a nova configuração passa a ser especificamente capaz de se ligar a um substrato e levar a cabo uma reação química. De modo semelhante à reorganização das cadeiras numa sala, para acomodar mais convidados, as modificações estruturais de proteínas (designadas por modificações conformacionais) podem aumentar o espaço acessível a substratos e produtos. Estas modificações configuracionais alteram também a carga elétrica no interior da enzima, originando porções da molécula diferencialmente carregadas, que podem ter um impacto considerável em interações moleculares.
Fazer uma Proteína a Partir do Nada
Escondidas nas sequências de DNA de todos os teus genes estão as instruções para produzir um individuo único. A nossa identidade genética está "codificada", na medida em que quatro unidades estruturais, denominados nucleotídeos, se associam formando uma mensagem bioquímica — as instruções para sintetizar uma proteína. Os quatro nucleotídeos do DNA, abreviadamente A, T, G e C, ligam-se especificamente aos pares: A liga-se a T e G liga-se a C. Naquele processo de síntese, um intermediário, designado por mRNA (ácido ribonucleico mensageiro), é produzido a partir do molde de DNA e serve como elo de ligação a máquinas moleculares denominadas ribossomas. Dentro de cada célula, os ribossomas leem as sequências de mRNA e juntam unidades estruturais das proteínas denominados aminoácidos na ordem determinada pelo código. Cada grupo de três nucleotídeos no mRNA codifica um dos 20 aminoácidos. Moléculas de ligação, designadas por tRNA (RNA de transferência) auxiliam neste processo. Finalmente, a cadeia de aminoácidos dobra-se sobre si mesma, adquirindo a forma única que constitui a assinatura de uma determinada proteína.
Unidades Estruturais
A questão fundamental é que as enzimas, e todas as proteínas, são extremamente importantes no organismo. De onde veem estas importantes moléculas? Será que duram para sempre?
As proteínas são produzidas continuamente ao longo da vida. Baterias de proteínas não são transferidas através de gerações, mas os seus manuais de instruções moleculares — o nosso material genético, o DNA — são. Depois de lerem a informação no DNA dos nossos genes, máquinas moleculares especializadas (grupos de enzimas a funcionar em conjunto na célula) copiam o DNA. De seguida, outras máquinas utilizam este molde genético para produzir proteínas. Para fazer isto, as enzima associam um conjunto de 20 aminoácidos diferentes, as unidades estruturais com que se edificam as proteínas. Ligando estes aminoácidos, o organismo produz milhões de tipos distintos de proteínas. Teoricamente, milhões de proteínas podem ser sintetizadas a partir de todas as possíveis ligações entre aminoácidos. Como tal, não é surpreendente que cada um destes aminoácidos tenha que estar sempre disponível para a síntese proteica.
A falta ou o excesso de um ou mais destes aminoácidos pode ter consequências devastadoras. Por exemplo, uma doença genética denominada Fenilcetonúria (PKU-PhenylKetonUria) é provocada pela incapacidade de o organismo eliminar o excesso de fenilalanina, um aminoácido cuja abreviatura é Phe. A PKU é uma doença autossómica recessiva, o que significa que depende da transmissão simultânea do gene associado à doença através do pai e da mãe. Se o gene associado à PKU só estiver presente num dos progenitores, a sua descendência não irá desenvolver a doença. As crianças com PKU nascem sem a enzima responsável pela degradação do aminoácido fenilalanina. Deste modo, ocorre a acumulação de níveis muito elevados de fenilalanina, que se tornam muito tóxicos, principalmente para o cérebro. Consequentemente, a PKU provoca atrasos mentais. No entanto, a fenilalanina é um aminoácido essencial – indispensável para o organismo. A PKU depende de fatores genéticos, bem como de aspetos relacionados com a alimentação e, como tal, qualquer medida que controle o fornecimento de fenilalanina ao organismo pode prevenir a doença.
Um aspeto não tão negativo associado a esta doença baseia-se no facto de o seu diagnóstico ser relativamente simples – na realidade, desde a década de 60, foram averiguados os níveis da enzima que degrada a fenilalanina em quase todos os recém-nascidos nos Estados Unidos a partir da recolha de uma gota de sangue ao nível do calcanhar. A deteção precoce e o tratamento durante o primeiro ano de vida são condições que podem permitir controlar a PKU. Em 150 milhões de crianças examinadas desde o inicio dos anos 70, foram detetados e tratados 10000 casos de PKU. Atualmente, os médicos tratam as crianças com esta doença através da prescrição de uma dieta restritiva que deve ser mantida para toda a vida: alguns alimentos, nomeadamente o leite e refrigerantes que contêm aspartamo (NutraSweet®), são fontes de fenilalanina. A dieta é rígida, obrigando as crianças a evitar estes e muitos outros alimentos, tais como carne ou peixe, laticínios, pão, amendoim e mesmo alguns vegetais. Consequentemente, os indivíduos diagnosticados com PKU têm que tomar um suplemento vitamínico e mineral sem fenilalanina, de modo a garantir que recebem quantidades adequadas dos outros aminoácidos essenciais que abundam nesses alimentos. Acreditava-se que quando uma criança com PKU atingisse a adolescência, poderia abandonar a dieta, a qual pode ser muito dispendiosa devido à necessidade de incluir o suplemento. Contudo, as atuais políticas recomendam que os indivíduos com PKU mantenham a dieta restritiva durante toda a sua vida.
Uma solução potencialmente melhor para contornar a dificuldade e inconveniência em manter uma dieta restritiva suplementada durante toda a vida, poderia passar por fornecer a enzima que degrada a fenilalanina ao organismo das pessoas com PKU. No entanto, apesar de parecer relativamente simples fornecer a enzima que degrada a fenilalanina (abreviadamente "PAH") quando está ausente, isso não é assim tão fácil. A enzima PAH tem muitos constituintes e cofatores. Para além disso, o fornecimento da enzima implica um transplante hepático, um procedimento que, por si só, acarreta riscos consideráveis. Uma abordagem alternativa consistiria em disponibilizar às pessoas com PKU uma enzima capaz de eliminar a fenilalanina e que pudesse ser facilmente administrada por via oral. Uma enzima com estas características, denominada "PAL", é bastante abundante na natureza – está presente em plantas, fungos e numa variedade de outros organismos, e pode ser produzida pelos cientistas em laboratório através de técnicas de engenharia genética. Recentemente, os investigadores conseguiram tratar uma estirpe de ratinho que desenvolve uma síndrome semelhante à PKU com uma enzima PAL fabricada em laboratório. Testes clínicos em humanos irão determinar, com certeza, se esta estratégia pode trazer esperança aos indivíduos com a doença.
Uma Ligação Especial
Podes surpreender-te por saber que no coração da química está a física – o estudo de forças de atração e repulsão que estabelecem ligações entre as unidades estruturais da vida. As ligações químicas são aquelas forças físicas que mantêm os átomos juntos e apresentam alguma diversidade (ver a figura ao lado). As ligações iónicas, nas quais átomos carregados positivamente se ligam a átomos carregados negativamente são as mais fortes. As ligações covalentes são mais subtis e ocorrem quando átomos próximos (por exemplo, o hidrogénio) partilham eletrões das suas órbitas. Os químicos referem-se às ligações iónicas e covalentes como forças “intramoleculares”. Outras forças importantes são as "intermoleculares" — as quais ligam moléculas entre si. Estes tipos de forças estão na base de líquidos e sólidos, os quais não são mais do que coleções de moléculas organizadas segundo um padrão espacial específico. As forças intermoleculares são também designadas por forças de van der Waals, nome do físico holandês que as descreveu pela primeira vez. As ligações de hidrogénio são um tipo de forças de van der Waals e representam uma ligação importante na bioquímica.
Dos ratinhos às...Bactérias?
O ratinho de laboratório é uma ferramenta experimental favorita de muitos cientistas e que pode ser "personalizada" de acordo com as características relevantes para o estudo de uma determinada questão em investigação. Apesar de os roedores diferirem dos humanos em aspetos importantes e óbvios, acredites ou não ratinhos e ratos têm muitos genes em comum com os humanos. Em alguns casos, pode haver uma correspondência de até cerca de 80% de semelhança entre os nucleotídeos de um gene de ratinho e um gene semelhante — o seu "homólogo" — em humanos. A Natureza é económica: genes muito importantes (por exemplos, aqueles que codificam enzimas metabólicas chave) são conservados no decurso da evolução, variando pouco entre espécies. Para os investigadores, isso é um aspeto positivo. Os ratinhos e uma variedade de outros denominados organismos modelo — como bactérias, leveduras e mesmo plantas — são as "cobaias" de muitos laboratórios bioquímicos. Mas, para além destas frequentemente espantosas semelhanças, há também diferenças significativas na bioquímica destes organismos modelo, especialmente nas espécies mais primitivas, como as bactérias. Os cientistas podem explorar estas diferenças para combater doenças, a partir de enzimas ou outros constituintes moleculares que são comuns entre microrganismos, mas que estão ausentes do teu organismo.
A Estratégia de um Assassino
Um tipo de bactéria designado por enterococos possui enzimas que atuam organizadamente na síntese de cadeias glicoproteicas, produzindo uma parede celular muito robusta — a principal barreira de defesa da bactéria em relação ao exterior. O antibiótico vancomicina interfere com a produção da parede celular (ver figura ao lado). Isto resulta na morte da bactéria, o que interrompe a infeção. Algumas bactérias tornam-se resistentes à vancomicina e sobrevivem na presença deste antibiótico. A parede celular em formação nas bactérias resistentes à vancomicina possui uma composição ligeiramente diferente, que a molécula de antibiótico não consegue reconhecer. Genes de resistência especializados dotam as bactérias resistentes com a capacidade de reprogramar a composição da parede celular.
Bioquímica em Ação: A Química em Missão de Socorro
É largamente aceite que os avanços médicos mais importantes deste século estão relacionados com o desenvolvimento de poderosos antibióticos e vacinas aplicados ao tratamento e profilaxia de doenças infecciosas provocadas por bactérias, vírus e parasitas. Mas estas descobertas têm um preço — os microrganismos conseguem ripostar. A utilização incorreta de antibióticos — estes medicamentos são excessivamente prescritos pelos médicos e os pacientes tendem a não levar os tratamentos até ao fim — é a principal causa do crescente número de casos de resistência a antibióticos.
Quando tomas um antibiótico, o medicamento ataca a infeção através da eliminação de centenas de estirpes de bactérias "sensíveis" presentes no teu organismo. Mas também deixa ficar uma quantidade razoável de estirpes "resistentes" — versões ligeiramente alteradas das variedades sensíveis. Estes microrganismos resistentes, sem nada que os impeça, multiplicam-se rapidamente. Para piorar a situação, estes indivíduos resistentes não permanecem apenas no teu organismo, mas são capazes de se dispersar para os teus familiares e amigos — agravando o problema para todos.
As bactérias não são inerentemente nocivas. No organismo humano, muitos e variados tipos de bactérias residem no intestino grosso, onde desempenham funções essenciais ao nível da digestão. Biliões de microrganismos decompõem hidratos de carbono não digeridos, que são componentes comuns de vegetais e de outros alimentos, como o feijão. Porém, uma vez no local errado, estas bactérias normalmente inócuas — denominadas enterococos — podem ser muito prejudiciais para o organismo. Em situações de doença, estes microrganismos podem abandonar o seu ambiente normal no intestino e invadir outras regiões do corpo, como por exemplo pele queimada, o coração, ou o trato urinário. Uma vez nesses locais, as bactérias podem multiplicar-se rapidamente, especialmente quando o sistema imunitário está já debilitado. Os enterococos são persistentemente resistentes à maioria dos antibióticos. Até há relativamente pouco tempo, um antibiótico denominado vancomicina era consideravelmente eficiente no controlo de infeções por enterococos. No entanto, ultimamente tem-se assistido a um aumento substancial dos casos de resistência de enterococos à vancomicina.
Felizmente, os químicos estão atentos aos enterococos. Christopher T. Walsh e Daniel Kahne da Harvard Medical School, Boston, Massachusetts, associaram a resistência à vancomicina a um único e errante elo químico. A vancomicina normalmente mata os enterococos ao interferir com a sua produção de parede celular. A vancomicina impede que as unidades estruturais a partir das quais esta parede se edifica sejam ligadas umas às outras, tornando a bactéria suscetível ao ambiente que a rodeia e à ação destrutiva das enzimas das células do organismo hospedeiro. Walsh, Kahne e colaboradores, identificaram um conjunto de apenas cinco genes que permitem aos enterococos escapar à ação da vancomicina através da utilização de um método ligeiramente distinto de produzir a parede celular. A pesquisa dos investigadores mostrou caminhos promissores para o desenvolvimento futuro de antibióticos, com base na estratégia de inibir enzimas que reorganizam os precursores da parede celular.
Caixa de Questões: Laboratórios de Informática
No futuro, os modelos informáticos vão ser utilizados para desenvolver programas experimentais para a investigação e para a indústria...
O bioengenheiro Christopher Schilling trabalha com computadores e trabalha num laboratório. Mas o seu não é um vulgar laboratório de computadores. Schilling, que fez o seu doutoramento em bioengenharia pela University of California, San Diego, estuda células bacterianas — e os milhares de reações enzimáticas que ocorrem no seu interior — sem nunca colocar um par de luvas ou plaquear meio de cultura. A pesquisa de Schilling in silico (literalmente, "em silício", um componente de hardware de computadores) baseia-se na utilização de computadores para estudar a forma como as vias enzimáticas se integram e influenciam. Porém, apesar de a técnica poder ser poderosa na previsão do desempenho celular num diversificado conjunto de condições, Schilling admite que estaria desempregado se os bioquímicos de laboratório não se empenhassem em desvendar o papel das enzimas nas células. A Química da Saúde interrogou Schilling acerca do potencial de mapeamento celular, utilizando computadores.
QS: O que é que ainda não sabemos acerca do que se passa no interior das células vivas?
Schilling: Os biólogos são agora obrigados a confrontar-se com a questão da complexidade na célula — como uma pequena alteração num componente pode afetar centenas de coisas. O desafio que se coloca à próxima geração de cientistas consiste na compreensão das células como sistemas...como é que todos os componentes interagem e como as interações definem funções celulares.
QS: É preciso um computador muito potente para realizar experiências in silico?
Schilling: Não, eu uso apenas o meu computador portátil — mas agora estou a trabalhar em problemas relativamente simples utilizando álgebra linear básica. No futuro, à medida que tentarmos construir modelos de organismos mais complexos — como os humanos — e aplicar abordagens matemáticas mais intensas, pode ser necessário um super-computador. De momento não estamos limitados pelo nosso poder computacional, mas antes pela nossa falta de conhecimento biológico e pela escassez de adequadas abordagens de modelação.
QS: Que ingredientes são necessários para realizar uma experiência de metabolismo in silico?
Schilling: Eu começo com uma lista de genes, depois procuro em manuais e em artigos científicos as reações que eles catalisam e aquilo que se sabe sobre eles — isto serve como um tipo de catálogo de componentes. Depois, aplico simples leis da física e princípios matemáticos — basicamente, descrevendo redes de enzimas interatuantes como um conjunto de equações matemáticas. Disto resulta uma previsão do tipo de produtos que a célula é capaz de sintetizar em diversas condições ambientais e genéticas.
QS: Os computadores vão substituir os gobelés e as placas de petri?
Schilling: Não! Muito do nosso conhecimento do metabolismo bacteriano provém da investigação bioquímica nos anos 60 — eu baseio-me consideravelmente nesta informação. No futuro, os modelos informáticos vão ser utilizados para desenvolver programas experimentais para a investigação e para a indústria — contudo, simultaneamente, os resultados experimentais vão ser necessários para o aperfeiçoamento dos modelos informáticos. Por isso, pode-se dizer que se trata de uma parceria.
QS: Como atrairia os jovens para o estudo do metabolismo?
Schilling: Penso que se tem que ter indivíduos que são interdisciplinares – pessoas capazes de se interessar por todos os aspetos do problema. Não resultará com equipas de diferentes especialistas a trabalhar juntos, mas cada um nos seus próprios subprojetos em genética, bioquímica, ou biologia informática.
QS: Como se interessou pela investigação em metabolismo e bioengenharia?
Schilling: No meu primeiro ano na Duke University, eu era um estudante de engenharia biomédica e elétrica e assisti a uma palestra sobre a sequenciação automatizada de DNA por Leroy Hood, um investigador em genética na University of Washington. Foi a primeira vez que vi estratégias de engenharia de qualquer tipo aplicadas a um problema molecular. No dia seguinte, anulei engenharia elétrica e inscrevi-me em genética.
Compreendeste?
Descreve uma forma pela qual as bactérias podem desenvolver resistência a antibióticos.
O que é que os motores biológicos utilizam como combustível?
Como é que uma enzima acelera uma reação bioquímica?
Quais são as três fases da matéria?
Dentro de 20 anos, achas que os cientistas ainda vão estudar biologia num laboratório – ou farão tudo através de um computador? Justifica a tua resposta.