Os Percursos da Vida
"Pergunte ao Doutor":
Após um recente exame médico anual fui informado que tenho "teor elevado de enzimas hepáticas". Agora a minha médica diz que tenho que voltar para fazer mais
exames. O que é que isto tudo significa? É perigoso?
J. Baralhado
Anytown, USA
Será que o Sr. Baralhado está em perigo? Pode estar, mas muito provavelmente, não está. Para esclarecer situações como esta, os médicos fazem muitas perguntas aos pacientes.
"Como se sente?"
"Comeu alguma coisa fora do normal, ultimamente?"
"Está a tomar medicamentos novos?"
E, frequentemente, os médicos realizam mais testes, perscrutando o organismo do paciente de forma a obter uma pista sobre o que há de errado — alguma ideia que permita perceber porque é que um equilíbrio químico natural que é tão cuidadosamente mantido, se perdeu.
Tal como o João Baralhado, a maioria já se deparou com bioquímica sem sequer se aperceber.
Na saúde e na doença, os nossos organismos funcionam como laboratórios bioquímicos fervilhando de atividade, onde moléculas são constantemente sintetizadas, utilizadas, degradadas e recicladas. O que é que é responsável pela maior parte deste trabalho? Moléculas indispensáveis denominadas enzimas.
Por exemplo, quando análises de rotina ao sangue revelam níveis anormalmente elevados de enzimas hepáticas, existem muitas causas potenciais, atendendo a qual a enzima que exibe teores elevados e ao grau de alteração desses teores. O fator responsável pode ser tão grave como alcoolismo ou infeção por um dos vírus de hepatite, sendo que ambos podem incapacitar o fígado ao longo do tempo. Por outro lado, a causa pode ser tão irrelevante como ter tomado determinado medicamento ou ter abusado do álcool numa festa.
Muitas das enzimas do organismo são intracelulares. Se as células forem danificadas, podem sofrer rutura e libertar os seus conteúdos em fluidos corporais próximos, como por exemplo o sangue. A presença de níveis anormalmente elevados de enzimas no sangue pode traduzir perturbações nos tecidos ou órgãos aos quais essas células normalmente pertencem. Mas, por vezes, resultados laboratoriais alterados não têm qualquer significado. Níveis enzimáticos elevados, provocados pelo processamento de "toxinas" — incluindo substâncias como químicos ambientais, medicamentos prescritos, ou álcool — normalmente voltam ao normal, uma vez na ausência na substância estranha.
O fígado não é o único local onde se encontram enzimas. Todas as células em todos os órgãos — desde o fígado ao coração e à pele — estão atestadas de enzimas. De forma alguma espectadores inocentes, as enzimas são a razão pela qual as células constituem atarefados centros de atividade.
As enzimas estão na base da nossa capacidade de locomoção, de pensar e de sentir o nosso mundo. As enzimas ajudam-nos a piscar um olho, a saborear um gelado e a apanhar aquele bocadinho que derreteu e está quase a cair. As enzimas, e os seus associados celulares essenciais —outras proteínas, nucleotídeos, açúcares e gorduras — permitem que um dedo do pé arranhado cicatrize e possibilitam o desenvolvimento de um feto no interior do corpo de uma mulher.
Mas quando não funcionam adequadamente, as enzimas podem provocar doenças. Cancro pode ocorrer quando as enzimas que intervêm na cópia de DNA falham, levando ao aparecimento de um gene alterado cuja expressão resulta em défice proteico, ou mesmo na ausência total da proteína. Se essa proteína específica for responsável pela regulação da multiplicação celular de um dado conjunto de células, a sua ausência pode ter consequências devastadoras.
Apesar de um cientista poder estudar isoladamente algumas enzimas em laboratório, as enzimas no organismo nunca estão sós. Elas associam-se originando redes e vias impressionantes. O estudo de vias e redes bioquímicas, e do modo como estas se integram e influenciam mutuamente, é a ciência da vida e a química da saúde.
Sob Controlo
Parece que acontece sempre do mesmo modo: vais ao médico para um check-up, e passado dois ou três dias, acabas com uma constipação. A tua conclusão: Estar sentado na sala de espera fez-te ficar doente. Acredites ou não, esta situação quotidiana assemelha-se a cenários com que os cientistas se deparam constantemente nos seus laboratórios. O desafio eterno de um cientista é avaliar causas e efeitos e, posteriormente, tirar conclusões. A utilização de “controlos” pelos investigadores é um fator chave neste processo. Um ou uma cientista apenas pode ter a certeza que A determina B ele ou ela souber que, durante a experiência, a presença de A foi necessária para que o efeito B se verificasse. Isto é — A não determina também C, D, E, e F. Ou, que B não ocorreu por si só, sem intervenção de A. No caso do exemplo da sala de espera, por exemplo, é admissível considerar que ir ao médico te predispõe a adoecer, uma vez que, na sala de espera, estás mais exposto a agentes infecciosos do que habitualmente. Mas talvez não haja qualquer relação — só por coincidência, começas a ficar com sintomas de constipação próximo da altura em que costumas realizar o teu check-up anual. Será que é sempre na Primavera, quando o pólen se torna mais abundante? Os cientistas têm que ser meticulosos ao planificar as experiências, de forma a poderem prever a influência do maior número possível de variáveis que conseguirem imaginar. Normalmente, os investigadores fazem isto através da comparação do grupo experimental com um controlo, ou grupo sem tratamento. As suas experiências só poderão “funcionar" nessa altura.