Capítulo 3, "Açúcares e Gorduras: Somos Aquilo Que Comemos?"
Até um certo ponto, o velho ditado é verdade: Somos o que comemos. As nossas dietas — tudo desde brócolos a manteiga, até pão (uma mistura de proteínas, gorduras e açucares) — contêm os ingredientes bioquímicos para a vida. Em último grau, os açúcares (designados por hidratos de carbono) e as gorduras (designadas por lípidos) são as principais fontes de combustível do teu organismo.
Mas espera — rebuçados, doces, pastéis ou gelados com chantili não são exatamente do que os cientistas estão a falar quando se referem a açúcares e gorduras. As proteínas, gorduras e açúcares que tu ingeres contêm, na realidade, várias misturas destes três tipos de moléculas e, ainda, água.
O teu aparelho digestivo desfaz uma taça de gelado de iogurte, por exemplo, nos "biopolímeros" que o constituem (proteínas, lípidos e hidratos de carbono). Estes biopolímeros são ainda digeridos em frações mais pequenas: as proteínas em aminoácidos; os hidratos de carbono em açúcares mais pequenos, denominados açúcares simples (como a glicose); e as gorduras a dois produtos, denominados glicerol e ácidos gordos. Posteriormente, o teu organismo transforma a maioria destes produtos de digestão num pequeno conjunto de intermediários bioquímicos comuns. Estas são as moléculas simples que abastecem os motores metabólicos que produzem a energia que precisas para te alimentares e respirares.
Forma e Função
Os açúcares e as gorduras são também componentes estruturais fundamentais das células. É verdade que a gordura ganhou alguma notoriedade, como consequência de demasiadas batatas fritas que acabam em quilos a mais. Mas as gorduras são ingredientes essenciais que estão constantemente a ser produzidos, reciclados e incorporados em estruturas cruciais, tais como o revestimento e barreira de proteção celulares, a membrana plasmática. A gordura e uma substância dela derivada, denominada colesterol, constituem componentes estruturais importantes da membrana plasmática — um invólucro gorduroso de lípidos e açúcares com proteínas embutidas – que reveste e protege a célula e a miríade de proteínas estruturais e de sinalização que se alojam no seu interior. Porém a membrana plasmática não é uma simples barreira; pelo contrário, a construção desta bainha interativa é um verdadeiro feito da engenharia celular, orquestrado pela disposição organizada de moléculas em forma de stick denominadas glicolípidos (cadeias de lípidos adornadas por açúcares) e fosfolípidos ((lípidos marcados com etiquetas celulares carregadas eletricamente, designadas por grupos fosfato). Quando alinhadas, estas criações moleculares que contêm gordura assemelham-se a uma dupla fila de sticks alinhados perfeitamente base com base. Os componentes podem alinhar-se de uma forma perfeita devido à simples regra química de que óleo e água não se misturam. Uma membrana plasmática de espessura dupla forma-se mais ou menos automaticamente quando a pega do stick (a porção lipídica) de cada glicolípido ou fosfolípido se orienta em direção ao óleo (outras porções lipídicas semelhantes de outros glicolípidos e fosfolípidos) e a cabeça do stick (a porção constituída por açúcar ou fosfato) se desloca naturalmente em direção ao ambiente aquoso típico do interior das células e entre as células. Quantidades variáveis de colesterol, outra molécula em forma de stick, determinam a fluidez, ou flexibilidade de uma dada membrana plasmática. Sticks de colesterol deslizam entre os fosfolípidos e glicolípidos e influenciam as interações entre eles — tornando a membrana mais líquida ou sólida, dependendo da localização e quantidade exata do colesterol presente.
Longas cadeias de lípidos insolúveis em água são construídas a partir de unidades estruturais designados por ácidos gordos, os quais estão também armazenados como fonte de energia nas células adiposas. As ligações químicas entre ácidos gordos nos glicolípidos e nos fosfolípidos determinam quão rígidas ou flexíveis as cadeias lípídicas vão ser. Isto, por sua vez, afeta a forma das estruturas celulares que constituem.
Em muitos casos, os lípidos são muito mais do que espetadores moleculares passivos — atuam como participantes ativos na função celular. Para além de influenciarem o estado físico — a fluidez, a forma e a estrutura — das membranas de todos os tipos de células, os lípidos desempenham outras tarefas celulares importantes, tais como o transporte de mensagens. Etiquetas químicas de açúcares e fosfatos dirigem os glicolípidos e os fosfolípidos para uma viagem através do interior da célula, onde participam na transmissão de sinais celulares — incluindo aqueles que dizem a uma célula para crescer e se dividir.
De Doce a Dulcíssimo
As moléculas que as pessoas identificam como doces são na sua maioria hidratos de carbono. Contudo, para além do açúcar de mesa (sacarose), existem muitas outras moléculas doces. Certamente todos estamos familiarizados, por exemplo, com os pacotes de adoçantes artificiais que fazem companhia aos pacotes de açúcar em cima das mesas dos cafés. Os adoçantes contêm as substâncias químicas sacarina ou aspartame e são, aproximadamente, 200 vezes mais doces do que o açúcar de mesa. A sacarina, acredites ou não, é um químico derivado do petróleo. O aspartame é uma molécula muito pequena construída a partir de dois aminoácidos naturais no organismo, fenilalanina e aspartato. Contudo, inconvenientes como sabor residual e instabilidade térmica levaram os engenheiros alimentares a procurar alternativas. Entre estas, encontra-se a brazeína, uma proteína extraída de um fruto originário de África. Até à data, os cientistas descobriram apenas sete proteínas — e não açúcares — que as nossas línguas interpretam como doces. Destes, a brazeína é mais pequena de entre as mais doces — mais de um milhar de vezes mais doce do que a sacarose. Investigadores da indústria alimentar dirigem a atenção para a brazeína, uma vez que esta proteína parece não deixar sabor residual desagradável e ser capaz de suportar temperaturas anormalmente elevadas. A molécula é extraordinariamente termoestável: mantém a sua doçura mesmo após ser cozinhada durante 2 horas a temperaturas superiores a 90º C. Numa reviravolta surpreendente, os cientistas, que descobriram recentemente a estrutura tridimensional da molécula de brazeína, dizem que ela se assemelha a proteínas vegetais envolvidas nos processos de defesa contra microrganismos patogénicos e algumas toxinas de artrópodes, tais como as produzidas pelos escorpiões.
Gorduras que Protegem Bactérias Podem Prejudicar os Humanos
As superfícies externas das células de alguns tipos de bactérias, tais como Escherichia coli ou Salmonella spp., são revestidas por gorduras. Este escudo rico em lípidos, um componente comum a todas as bactérias de uma classe particular designada por bactérias Gram-negativas, desempenha a função de barreira e impede a saída de importantes enzimas bacterianas. Uma parte integrante desta barreira bacteriana é uma substância que contém lípidos e açúcares designada por lipopolissacarídeo (LPS). Um componente essencial do LPS é uma molécula denominada lípido A, que os cientistas também designam por endotoxina. Esta molécula pode ser muito tóxica para humanos que com ela entrem em contacto. Em infeções graves, grandes quantidades de lípido A libertadas por bactérias Gram-negativas desencadeiam uma hiper reação imunitária através da qual um exército de células imunitárias é chamado a combater. O resultante excesso de imunoquímicos produzidos pode danificar vasos sanguíneos e conduzir a um quadro clínico designado por choque séptico, na qual a pressão sanguínea atinge níveis perigosamente reduzidos, comprometendo a oxigenação de órgão vitais. Por motivos óbvios, o lípido A é um alvo importante para os cientistas interessados no desenvolvimento de antibióticos.
Os cientistas já determinaram que bactérias sem lípido A – quer por supressão da capacidade de síntese, quer pela sua eliminação através de um composto – morrem. O bioquímico Christian Raetz da Duke University, Durham, Carolina do Norte, estudou exaustivamente as vias que as bactérias usam para produzir lípido A. Ao longo deste processo, Raetz e os seus colegas identificaram determinados compostos que reprimem a produção de lípido A, alguns dos quais podem levar à descoberta de novos antibióticos. Curiosamente, Raetz encontrou alguns precursores da síntese do lípido A, bem como algumas moléculas semelhantes, que bloqueiam a inflamação produzida pelo lípido A, que conduz ao choque séptico. Um destes compostos está atualmente a ser analisado em testes clínicos de Fase II, a fase da avaliação do novo medicamento em que os investigadores determinam se o composto é eficaz. (Para chegarem à Fase II dos testes clínicos, os investigadores têm que provar primeiro, na Fase I, que a utilização do composto em humanos é segura.)
Proteínas Revestidas com Açúcar
Açúcares ligados a proteínas (glicoproteínas) são outro ingrediente fundamental das membranas celulares. Os componentes constituídos por açúcares das glicoproteínas estão orientadas em direção ao aquoso meio extracelular tal como as porções compostas por açúcares dos glicolípidos. Projetando-se para o exterior da célula, estas "decorações" açucaradas desempenham um papel de identificação, como etiquetas de endereço celular. Moléculas de sinalização que se deslocam através dos fluidos corporais deparam-se com padrões de açúcares específicos, que lhes permitem a entrada ou lhes vedam o acesso. Deste modo, as glicoproteínas funcionam como porteiros das células humanas. Através da marcação da superfície das células, as glicoproteínas também auxiliam na forma de tecidos e órgãos, determinando combinações de células. Os revestimentos de açúcares também ajudam na deslocação de células migrantes através dos vasos sanguíneos e de outras superfícies celulares do organismo, contribuindo para a adesão, através da sua capacidade de se associar aos recetores das superfícies celulares.
Doce Terapia
Em estudos de investigação médica, o "comprimido de açúcar" é normalmente o placebo: um comprimido "simulado" que os cientistas administram a metade dos pacientes de um grupo experimental para avaliar a qualidade do tratamento real. Numa reviravolta interessante, o bioquímico Hudson Freeze do Burnham Institute, La Jolla, California e os seus colegas, estão a utilizar os próprios comprimidos de açúcar para combater uma doença infantil rara e hereditária. Devido às cruciais funções desempenhadas pelos açúcares no organismo, não é surpreendente que haja graves consequências quando o organismo não é capaz de os produzir adequadamente. Normalmente, doenças provocadas pela falta generalizada de proteínas que contêm hidratos de carbono, afetam o sistema nervoso central (frequentemente, o cérebro) e resultam em severos atrasos mentais. Mas outros sintomas muito graves, tais como problemas hemorrágicos provocados por deficiências a nível de proteínas sanguíneas, são também uma característica de deficiências ao nível de alguns hidratos de carbono. Através da análise das células de uma criança com CDG (um conjunto de doenças coletivamente designadas por Doenças Congénitas de Glicosilação), Freeze, que durante muitos anos estudou o metabolismo de açúcares num organismo primitivo denominado plasmódio (micetozoários), rapidamente detetou uma conspícua deficiência num açúcar em particular, denominado manose. Ele desenvolveu um plano para tentar suplementar a dieta da criança com o açúcar em falta. Como resultado deste barato tratamento, a criança — que não possui a enzima que converte outro açúcar, glicose, em manose — tem sido capaz de levar uma vida normal. Desde então, cerca de 20 crianças tiveram sucesso semelhante com este tratamento.
Bioquímica em Acção: Aderência Celular
Uma classe de células do sistema imunitário denominadas glóbulos brancos é um exemplo ilustrativo. No exterior destas células há moléculas proteicas designadas por L-selectinas. Estas proteínas que se ligam a açúcares auxiliam os glóbulos brancos a desempenhar as suas funções, tal como deslocar-se até ao local de uma infeção iminente para afastar microrganismos. Contudo, o processo de recrutamento de células sanguíneas pelo organismo para combater uma agressão ou infeção, tem as suas próprias lacunas — no ato de resposta a crises deste tipo, as células imunitárias libertam os seus conteúdos tóxicos e danificam inevitavelmente as células normais. O resultado pode ser inflamação e dor.
O desenvolvimento de métodos que permitem eliminar a inflamação é, por isso, um importante objetivo e é, de facto, a finalidade de um esforço farmacêutico multimilionário, que está a ser conduzido atualmente. A investigadora Laura Kiessling da Unviversity of Wisconsin-Madison teve o palpite de que se obrigasse as moléculas de L-selectina nas células imunitárias a agruparem-se, daria um sinal às equipas de limpeza da célula para eliminarem as moléculas da superfície celular. Como resultado, as células perderiam locais de ligação específicos que, normalmente, lhes permitem ligar-se entre si — um passo chave no desenvolvimento de uma resposta inflamatória. O seu palpite estava correto: alguns membros de uma nova classe de moléculas de açúcar sintéticas denominadas neoglicopolímeros são capazes deste truque, fazendo com que as moléculas de L-selectina de células migrantes se aglomerem e de seguida se destaquem da superfície celular. Os neoglicopolímeros são fáceis de sintetizar e interrompem os processos inflamatórios de uma forma distinta da dos medicamentos anti-inflamatórios existentes, como a aspirina e o ibuprofeno. Enquanto estes medicamentos bloqueiam moléculas de sinalização no interior da célula, os neoglicopolímeros impedem, logo à partida, que as células se liguem entre si. A pesquisa de Kiessling está a contribuir de uma forma valiosa para a compreensão de processos celulares que dependem da migração celular — não só a resposta inflamatória, mas também a metastização de cancro e, talvez até, o modo como as bactérias infetam os humanos.
Para além de bloquearem as interações "de aderência" que aproximam as superfícies celulares entre si, os cientistas estão também interessados em alterar a própria configuração celular. Com este propósito, Carolyn Bertozzi da University of California, Berkeley envolveu-se na "remodelação" das superfícies celulares. Tal como Kiessling, Bertozzi está interessada em intercetar processos biológicos subjacentes a doenças humanas, tais como a infeção, a inflamação e a dispersão de células cancerosas. Bertozzi atingiu o seu objetivo descobrindo um método de levar a própria maquinaria metabólica das próprias células a redecorar a sua superfície com moléculas não naturais — tais como as das células cancerígenas que podem ficar particularmente atrativas a agentes envolvidos na morte das células, ou as superfícies das células do coração que podem ser recetivas a materiais artificiais como pacemakers e outros implantes médicos. AA arquitetura do método concebido por Bertozzi é maravilhosamente simples. As suas experiências demonstraram que fornecendo às células um novo açúcar sintético, que é apenas um pouco diferente do açúcar naturalmente presente na superfície celular, pode fazer com que as células sintetizem cadeias de açúcares semelhantes e as enviem para exposição na superfície. Bertozzi conseguiu persuadir diferentes tipos de células a incluir quantidades variáveis destes açúcares não naturais, dotando a célula de novas características superficiais. Em muitos casos, as células parecem nem sequer notar!
Uma Receita Complicada
Muitos medicamentos que estão atualmente em processo de desenvolvimento são proteínas. A engenharia genética permitiu aos cientistas produzirem proteínas a partir de DNA em apenas alguns passos simples. Mas, com os açúcares, o processo não tem sido assim tão simples. Há muito tempo que os químicos se debatem com o problema de sintetizar moléculas de açúcar em laboratório, mas finalmente alguns cientistas estão a vislumbrar luz ao fundo do túnel. A possibilidade de produzir todos os tipos de açúcares quando necessário permitirá, indubitavelmente, explorar as inumeráveis potencialidades que estas moléculas albergam — como medicamentos, como "suportes" celulares para medicamentos e como ferramentas de pesquisa básica para explorar aspetos menos evidentes das células. Em termos práticos, a possibilidade de produzir açúcares e moléculas deles derivadas em laboratório permitirá aos químicos investir o seu tempo no estudo das inúmeras funções que estas complicadas moléculas desempenham no organismo e não perdê-lo tentando desesperadamente perceber como produzir esses açúcares.
Uma meta particularmente excitante para os cientistas é a possibilidade de serem capazes de fabricar vários açúcares que estão presentes nas superfícies de bactérias e vírus a partir de ingredientes simples. A capacidade de imitar este tipo de açúcares irá permitir aos cientistas o desenvolvimento de novas vacinas para controlar estes microrganismos patogénicos.
Porque é que é tão fácil fazer proteínas e tão difícil fazer açúcares? A resposta reside na estrutura fundamental de cada um dos tipos de moléculas (ver a figura abaixo). As proteínas são cadeias de aminoácidos que só podem ligar-se de uma determinada forma: seguidos, quase como contas ao longo de um cordão. Por sua vez, os oligossacarídeos — cadeias longas e, frequentemente, ramificadas de açúcares — podem associar-se de muitas maneiras diferentes, e os químicos têm dificuldade em forçar a construção de uma forma em detrimento de outra.
Apenas com duas das unidades estruturais de uma cadeia de um oligossacarídeo é possível estabelecer dúzias de ligações químicas diferentes. Outro obstáculo resulta do facto de os químicos estarem, frequentemente, interessados em produzir estruturas ramificadas, e não lineares, como as "contas num cordão". Normalmente, os químicos ligam bloqueadores químicos (grupos protetores) para evitar que as unidades estruturais constituídas por açúcares simples estabeleçam ligações indesejadas. Deste modo, bloqueando todos os potenciais locais de ligação, exceto um — aquele que se pretende — um químico pode assegurar que apenas uma dada ligação vai ser estabelecida. Posteriormente, os grupos protetores podem ser removidos, permanecendo apenas o açúcar. Este processo de separação cuidadosa de misturas químicas e de aplicação e remoção de grupos protetores pode ser muito demorado.
Um Papel de Suporte
Através do teu organismo, os açúcares ajudam a transmitir mensagens, atuando como códigos postais, que direcionam o correio para o seu destino correto. Os açúcares também desempenham importantes funções estruturais no interior e entre as células. Os açúcares constituem o suporte do alfabeto da vida, o DNA. As duas cadeias de DNA ligam-se com base num conceito bioquímico denominado complementaridade. As quatro letras do alfabeto de DNA — as bases A, T, G e C — determinam a sequência dos teus genes, quase como palavras. Devido ao formato de cada base, os G’s só se ligam aos C’s e os A’s só se ligam aos T’s. Como tal, a dupla hélice de DNA é uma consequência destas atrações químicas específicas entre bases. Um andaime de açúcares ligados entre si através de moléculas designadas por fosfatos, mantém as bases nos seus lugares. A função estrutural desempenhada pelos hidratos de carbono é fundamental nas plantas, nas bactérias, nos fungos e em alguns artrópodes. Os açúcares mantêm, literalmente, a célula inteira auxiliando a produzir e a manter uma forte parede celular.
Sopa de açúcares
Chi-Huey Wong do Scripps Research Institute, La Jolla, California desenvolveu uma original estratégia para produzir alguns açúcares no seu laboratório — numa fração do tempo necessário pela maioria das outras abordagens. A receita de Wong para produzir oligossacarídeos requer pouco tempo, uma vez que tudo pode ser feito num único recipiente. Os ingredientes para a produção de oligossacarideos numa única panela (como ele a refere) são unidades estruturais de açúcares com grupos protetores associados e um computador. Atualmente, o processo não é simples — é necessária uma preparação consideravelmente exaustiva para que o computador oriente a montagem de peças de açúcar numa sequência predefinida. Tal como a confeção de um prato requer que o cozinheiro corte todos os ingredientes antes de os cozinhar, antes de Wong adicionar componentes à panela ele teve que preparar todos os seus ingredientes químicos. Para isso, começou por realizar uma série de reações químicas, monitorizá-las por computador, organizá-las segundo a sua velocidade de ocorrência e registar todas as taxas de reação. De seguida, Wong programou o computador para selecionar ligações que dão origem a cadeias individuais com base na sua rapidez ou reatividade. De momento, Wong tem apenas um número limitado de unidades estruturais e de reações, mas prevê que com a introdução de mais estruturas e reatividades no computador seja possível por fim automatizar completamente o processo por robots.
A estratégia de Wong é apenas uma entre muitas que procuram sintetizar açúcares a pedido. Outros químicos utilizam diversas técnicas – a maioria das quais recorre à utilização de grupos protetores (que não assentam na utilização de grupos protetores, utilizam enzimas unicamente capazes de selecionar um, e apenas um, local de ligação.) Alguns químicos, tais como Daniel Kahne da Harvard University estão a aperfeiçoar uma técnica para construir cadeias de açúcar inseridas num suporte sólido. A lógica desta abordagem prende-se com o facto de os açúcares, quando fixos a uma superfície, possuírem configurações e propriedades únicas comparativamente a quando se encontram livres em solução. O estudo de algumas dessas propriedades únicas é, obviamente, relevante para compreender o modo como os açúcares se comportam em células verdadeiras, em organismos verdadeiros, onde existem, sobretudo, em superfícies. Outra vantagem para produzir e estudar açúcares em superfície sólida decorre da eficiência do método e de facilmente permitir a utilização de técnicas de química combinatória que podem criar aleatoriamente enormes coleções de conjuntos de açúcares ligados a superfícies, potencialmente úteis para o desenvolvimento de medicamentos.
Caixa de Questões: Organizando as Coisas
Ram Sasisekharan, um bioquímico do Massachusetts Institute of Technology, vê-se constantemente em situações "pegajosas". Na realidade, isso é mesmo uma escolha sua. Como um cientista que se dedica a avaliar os papéis dos açúcares nos sistemas fisiológicos, passa muito do seu tempo a pensar em formas de perceber como longas e complexas teias de hidratos de carbono se associam. Sasisekharan utiliza um pouco de química, física e matemática para determinar a sequência letra a letra de cadeias moleculares de açúcares designados por polissacarídeos. Segundo Sasisekharan, os biólogos têm tentado, historicamente, "ver-se livres dos açúcares" nas amostras de proteínas e DNA que analisam, uma vez que estes "interferiam e eram um incómodo". Isto dificilmente é verdade, afirma ele, exaltando a virtude inerente ao estudo de moléculas de açúcar — nas suas palavras "as moléculas com mais informação que a Mãe Natureza produziu". De acordo com Sasisekharan, os açúcares são mais complexos do que as proteínas ou os ácidos nucleícos, o que é uma razão provável para terem sido as moléculas abandonadas pelos cientistas. Com uma recente explosão de investigação acerca dos açúcares e das importantes funções que desempenham no organismo, essa situação não se deve manter durante muito tempo. A Química da Saúde pediu a Sasisekharan para revelar alguns pormenores excitantes.
Eu vejo a matemática como uma forma de comunicação que divide um problema em pedaços mais pequenos e mais fáceis de abordar, para que se possa voltar a juntá-los de um modo lógico e resolver o problema.
QS: Quais são algumas das coisas que os açúcares fazem que tornam o seu estudo tão interessante?
Sasisekharan: Os açúcares são como roupas que as células usam. O revestimento de açúcar de uma célula — por exemplo, um casaco de lã ou uma T-shirt — influencia o modo como essa célula interpreta e responde ao seu meio ambiente. A sequência de uma cadeia de açúcar pode influenciar a função de uma célula. Espero que chegue o dia em que possamos dizer às células o que devem vestir — para que, fazendo com que as células vistam as roupas certas nas alturas adequadas, possamos influenciar aquilo que estas fazem!
QS: Recentemente descobriu uma maneira de decifrar a sequência de longas cadeias de açúcares — como é que o faz?
Sasisekharan: O método de sequenciação que desenvolvemos apoia-se verdadeiramente em dois princípios chave: codificação matemática e medições à escala atómica dos pesos dos açúcares. Primeiro, começamos com material celular que contém não só açúcares, mas também proteínas e muitas outras coisas. Estamos a começar com uma cadeia de açúcar denominada glicosaminoglicano (abreviadamente, GAG). Sabemos que existem 32 unidades estruturais de açúcar subtilmente diferentes que podem ser usados para produzir este tipo particular de açúcar. De forma a ser possível distinguir as unidades estruturais — e todas as suas marcações químicas — entre si, cada um tem que ser individualmente codificado por um computador.
De seguida, cortamos o açúcar de diversas formas, com enzimas e químicos, produzindo uma grande quantidade de peças sobreponíveis. Depois pesamos estas peças minúsculas com precisão atómica, através de uma tecnologia poderosa, designada por espectrometria de massa. Finalmente, introduzimos toda esta informação num computador e, utilizando a codificação matemática que desenvolvemos, o computador ajuda-nos a encontrar a solução. À semelhança do que acontece com um puzzle, só há uma maneira de este puzzle ser corretamente montado. Tivemos um momento verdadeiramente "uau" quando verificámos que o nosso programa de computador era capaz de criar uma base de dados de todos os materiais inseridos e simplesmente de deitar cá para fora uma resposta.
QS: Utilizar matemática parece ser muito importante para o tipo de investigação que faz — é verdade?
Sasisekharan: Sim. A matemática está por todo o lado — é apenas outro sistema de raciocínio que utilizamos para resolver problemas. Toda a gente pensa nos problemas de uma forma lógica — como deslocar-se da cozinha até à garagem, por exemplo. Eu vejo a matemática como uma forma de comunicação que divide um problema em pedaços mais pequenos e mais fáceis de abordar, de modo a que se possa voltar a juntá-los de uma forma lógica e resolver o problema.
QS: Como vê os avanços na química dos hidratos de carbono traduzidos em contributos para a saúde humana?
Sasisekharan: Penso que as maiores vantagens serão a nível do diagnóstico, no estabelecimento de correlações entre estados de doença. A possibilidade de estudar açúcares detalhadamente permitirá aos cientistas conhecer todas as configurações celulares possíveis e, possivelmente, aquilo que as altera. Simplificando — porque é que as células exibem revestimentos diferentes em alturas distintas? Identificar de uma forma exata e precisa os açúcares que aparecem na superfície das células constitui um aspeto fundamental na compreensão do desenvolvimento — os princípios fundamentais de como as células se posicionam para formar tecidos e órgãos.
QS: Porque é que considera excitante fazer investigação científica?
Sasisekharan: Para além da sobrevivência básica, penso que a curiosidade é um instinto fundamental humano. A inovação e a invenção têm sido fatores para a sobrevivência da humanidade...como Isaac Asimov disse, "Não há caminho, senão para a frente."
Compreendeste?
Porque é que é difícil para os químicos produzir hidratos e carbono a partir de ingredientes simples?
O colesterol tem uma função essencial em todas as células do teu organismo — qual é?
Descreve duas funções desempenhadas pelos hidratos de carbono no teu organismo.
Tens ideia de algumas vias/direções na investigação sobre a química dos hidratos de carbono que possam contribuir para melhorar o tratamento de doenças?