A Nova Genética
Capítulo 2: O RNA e o DNA revelados: Novos papéis, novas regras
Durante muitos anos, quando os cientistas pensavam em hereditariedade, pensavam em DNA. É verdade que o DNA é o ingrediente básico dos nossos genes e, como tal, por vezes rouba o protagonismo ao RNA (a outra forma de material genético existente nas nossas células).
Mas, embora ambos sejam material genético, o DNA e o RNA são bastante diferentes.
As unidades químicas do RNA são como as do DNA, mas o RNA contém o nucleótido uracilo (U), em vez da timina (T). Ao contrário do DNA, de cadeia dupla, o RNA normalmente está sob a forma de uma cadeia simples. E os nucleótidos de RNA contêm moléculas do açúcar ribose, em vez de desoxirribose.
O RNA é bastante flexível, ao contrário do DNA, que é uma molécula em espiral rígida e muito estável. O RNA pode torcer-se numa grande variedade de formas tridimensionais complexas. O RNA é também instável visto que as células estão constantemente a degradá-lo e a produzi-lo de novo, enquanto que o DNA não é degradado frequentemente. A instabilidade do RNA faz com que as células alterem o seu padrão de síntese proteica muito rapidamente em resposta ao que se passa no seu ambiente.
Muitos dos livros de texto ainda retratam o RNA como uma molécula passiva, simplesmente um "passo intermédio" nas atividades genéticas da célula. Mas essa visão já não é adequada. A cada ano que passa, os investigadores revelam novos segredos sobre o RNA. Estas descobertas revelam que esta é realmente uma molécula notável e um talentoso interveniente na hereditariedade.
Hoje, muitos cientistas acham que o RNA evoluiu na Terra muito antes do DNA. Os investigadores colocam a hipótese (claro que naquela época não havia ninguém a tomar notas) do RNA ter sido um importante participante nas reações químicas que induziram os primeiros sinais de vida no planeta.
O mundo do RNA
Existem pelo menos dois requisitos básicos para obter uma célula: a capacidade de unir e separar moléculas e a capacidade de replicação a partir de informação existente.
Provavelmente, o RNA ajudou a formar a primeira célula. As primeiras moléculas orgânicas (ou seja, moléculas com carbono) surgiram possivelmente da colisão aleatória entre gases da atmosfera primitiva da Terra, da energia do Sol e do calor da radioatividade natural. Alguns cientistas acham que, neste mundo primitivo, a molécula de RNA foi crucial devido à sua capacidade de ter uma vida dupla: armazenar informação e promover reações químicas. Por outras palavras, o RNA desempenhava tanto o papel do DNA como o das proteínas.
E o que é que tudo isto tem a ver com a saúde humana? Muito, como vamos ver.
Os investigadores atuais estão a captar parte da flexibilidade e poder do RNA. Por exemplo, o engenheiro molecular Ronald R. Breaker, da Yale University, está a desenvolver métodos para criar novas formas de RNA e DNA que funcionem como enzimas, através de uma estratégia a que ele chama evolução dirigida.
Breaker e outros colegas também descobriram um mundo oculto de RNAs que têm um papel crucial no controlo da atividade dos genes, uma função que se pensava ser exclusiva das proteínas. Estes RNAs, a que os cientistas chamam riboswitches, encontram-se numa grande variedade de bactérias e outros organismos.
Esta descoberta levou Breaker a especular que se poderiam desenvolver novos antibióticos para atacar os riboswitches bacterianos.
O editor molecular
Os cientistas estão a aprender uma nova forma de modificar proteínas: através da edição pelo RNA. Embora o DNA dê as instruções para o fabrico de proteínas, estas instruções nem sempre são seguidas com precisão. A edição do mRNA de um gene, mesmo que seja só numa única letra química, pode alterar radicalmente a função da proteína resultante. É provável que a função de edição do RNA tenha evoluído na Natureza como meio de obter mais proteínas a partir do mesmo número de genes. Por exemplo, os investigadores descobriram que os mRNAs para certas proteínas, importantes para o funcionamento adequado do sistema nervoso, são particularmente propensos à edição. É possível que a edição do RNA dê a certas células nervosas a capacidade de reagir rapidamente ao ambiente cambiante.
Quais são as moléculas que servem como editoras e como é que esse processo ocorre? Brenda Bass, da Escola de Medicina da University of Utah, em Salt Lake City, estuda uma classe particular de editoras, chamadas adenosina-desaminases. Estas enzimas substituem "letras" do RNA em várias pontos do mRNA.
Cumprem a sua função procurando formas características do RNA. As dobras e zonas de torção nas moléculas de RNA são o sinal para estas enzimas modificarem a sequência de RNA que, por sua vez, leva à produção de uma proteína diferente.
As experiências de Bass mostram que a edição de RNA ocorre numa grande variedade de organismos, incluindo os seres humanos. Outro aspeto interessante da edição é que certos microorganismos patogénicos, como alguns parasitas, usam a edição de RNA para ter vantagem na sobrevivência quando vivem num hospedeiro humano. É por isso que a compreensão dos detalhes deste processo é uma importante área de investigação médica.
Pequeno, mas poderoso
Em organismos tão diversos como plantas, vermes e humanos, foram recentemente descobertas umas moléculas chamadas microRNAs. As moléculas são mesmo "micro": consistem em apenas algumas dezenas de nucleótidos (em comparação, o mRNA típico dos humanos, tem alguns milhares de nucleótidos de comprimento).
O que é deveras interessante nos microRNAs é que muitos deles surgiram a partir de DNA que antes era considerado como mero "material de enchi-mento" (veja Receber a mensagem).
Como é que estas pequenas, mas importantes, moléculas de RNA desempenham a sua função? Começam por ser muito maiores, mas são depois cortadas por enzimas celulares, como a Dicer. Tal como pequenos pedaços de Velcro®, os microRNAs unem-se a certas moléculas de mRNA e impedem que elas executem as suas instruções para o fabrico de uma proteína.
Os microRNAs foram descobertos num verme modelo (veja Laboratórios Vivos) e alguns deles ajudam à determinação do plano corporal do organismo. Na sua ausência, podem acontecer coisas más. Por exemplo, os vermes que foram modificados para não terem um microRNA chamado let-7, têm um desenvolvimento tão anormal que, por vezes, rompem-se e praticamente se partem em dois.
Como os microRNAs ajudam a temporizar o plano de desenvolvimento de um organismo, talvez não seja surpreendente que o surgimento do próprio microRNA seja cuidadosamente temporizada nesse organismo. Biólogos como Amy Pasquinelli, da University of California, em San Diego, estão a tentar perceber como é que os microRNAs são produzidos e cortados, bem como o modo como surgem no momento certo do desenvolvimento.
As moléculas de microRNA também têm sido associadas ao cancro. Por exemplo, Gregory Hannon do Cold Spring Harbor Laboratory, em Long Island, Nova Iorque, descobriu que certos microRNAs estão associados a uma maior severidade do linfoma das células B em ratos.
Desde a descoberta dos microRNAs no início do século XXI, os cientistas já identificaram centenas, que provavelmente fazem parte de uma família ainda maior com sequências nucleotídicas semelhantes. Ainda se estão a descobrir novos papéis para estas moléculas.
Interferência pelo RNA (RNAi)
Interferência saudável
O modo como o RNA controla os genes só foi descoberto recentemente e chama-se interferência pelo RNA ou RNAi. Embora os cientistas tenham identificado a RNAi há menos de dez anos, sabem que os organis-mos usam este truque há milhões de anos.
Os investigadores acham que a RNAi surgiu como um meio de reduzir a produção de uma proteína, com o propósito de afinar o crescimento ou como autodefesa. Por exemplo, quando as células são infetadas por vírus, estes obrigam o hospedeiro a produzir RNA especializado que permite ao vírus sobreviver e fazer cópias de si mesmo. Os investigadores acham que a RNAi elimina RNA viral não desejado e alguns especulam que até poderá ter um papel na imunidade humana.
Curiosamente, os cientistas descobriram a RNAi através de uma experiência falhada! Os investigadores que estavam a estudar os genes envolvidos no crescimento das plantas repararam em algo estranho: quando tentavam obter petúnias de flor roxa adicionando mais um gene para essa cor, as flores surgiam brancas.
Este resultado fascinou os investigadores, que não conseguiam perceber como é que a adição de material genético poderia eliminar um carater hereditário. O mistério continuou por resolver até alguns anos mais tarde, quando dois geneticistas que estudavam desenvolvimento observaram um fenómeno semelhante em animais de laboratório.
Os investigadores, Andrew Z. Fire (então na Carnegie Institution of Washington, em Baltimore, e agora na Stanford University) e Craig Mello (da Escola Médica da University of Massachusetts, em Worcester) estavam a tentar bloquear a expressão de genes que afetam o crescimento celular e a for-mação de tecidos em vermes, usando uma ferramenta molecular chamada RNA antisentido.
Para sua surpresa, Mello e Fire descobriram que o RNA antisentido não estava a ter grande efeito. Em vez disso, descobriram que um contaminante de cadeia dupla, que era produzido durante a síntese do RNA antisentido (de cadeia simples), interferia com a expressão génica. Mello e Fire chamaram a este processo RNAi e, devido a esta descoberta, receberam o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia em 2006.
Experiências adicionais revelaram que o RNA de cadeia dupla é degradado dentro da célula em fragmentos muito mais pequenos, que se unem ao mRNA e o bloqueiam, tal como os fragmentos de microRNA que descrevemos antes (veja o desenho).
Hoje, os cientistas estão a tirar partido desta dica da natureza e a usar a RNAi para explorar a biologia. Já descobriram, por exemplo, que o processo não está limitado aos vermes e às plantas, mas que também ocorre nos seres humanos.
Os investigadores médicos estão agora a testar novos tipos de medicamentos baseados em RNAi para o tratamento de problemas como a degeneração macular (a principal causa de cegueira) e várias infeções, incluindo as que são causadas pelo HIV e pelos vírus herpes.
O DNA dinâmico
Uma boa parte de quem somos está "escrita nos nossos genes", herdados da nossa mãe e pai. Muitas características, como o cabelo ruivo ou castanho, a forma do corpo e até al-guns aspetos da personalidade, são passadas de pais para filhos.
Mas os genes não são tudo. O local onde vivemos, a prática de exercício, o que comemos: estes e muitos outros fatores ambientais podem afetar a expressão dos nossos genes.
Sabemos que alterações no DNA e no RNA podem levar a alterações nas proteínas. Mas, há também um controlo adicional ao nível do DNA, embora estas alterações não o afetem diretamente. Os factores hereditários que não alteram a sequência dos nucleótidos são chamados epigenéticos e também ajudam a que todos sejamos únicos.
Epigenético significa, literalmente, "por cima" da genética. Descreve um tipo de reação química que pode alterar as propriedades físicas do DNA sem alterar a sua sequência. Estas alterações fazem com que os genes tenham maior ou menor probabilidade de serem expressos (veja o desenho).
Atualmente, os cientistas estão a seguir um intrigante rumo na descoberta de fatores epigenéticos que, em conjunto com a dieta e outras influências ambientais, afetam quem somos e o tipo de doenças que podemos vir a sofrer.
Código secreto
O DNA está compactado dentro das células num arranjo a que se chama cromatina. Este empacotamento é crucial para que o DNA cumpra a sua função. A cromatina é constituída por longas cadeias de DNA enroladas e compactadas em volta de proteínas chamadas histonas.
Uma das funções chave da cromatina é controlar ao acesso aos genes, já que nem todos os genes estão ativos ao mesmo tempo. Por exemplo, a expressão imprópria de um gene promotor do crescimento pode levar a cancro, malformações congénitas ou outros problemas de saúde.
Muitos anos depois da determinação da estrutura do DNA, os investigadores usaram um poderoso dispositivo, o microscópio eletrónico, para fotografar fibras de cromatina. Ao observarem a cromatina de perto, os cientistas descreveram-na como "contas de um colar", uma analogia que ainda hoje é usada. As contas eram as histonas e o colar era o DNA enrolado nas histonas e que ligava uma conta à seguinte.
Décadas de estudo revelaram que as histonas têm sinalizadores químicos especiais que atuam como interruptores que controlam o acesso ao DNA. Ao ativar estes interruptores, chamados marcadores epigenéticos, o DNA desenrola-se e os genes podem ser transcritos.
Ao observar que a maquinaria genética da célula controla os marcadores epigenéticos, C. David Allis (que trabalhava no Centro de Ciências da Saúde da University of Virginia, em Charlottesville, e agora está na Rockefeller University, em Nova Iorque) foi levado a cunhar uma nova expressão: "código das histonas". Ele e outros colegas são da opinião que o código das histonas tem um papel fundamental na determinação de quais as proteínas a serem produzidas pela célula.
As falhas no código das histonas têm sido associadas a vários tipos de cancro e os investigadores estão a procurar desenvolver medicamentos que corrijam esses erros.
Nós e a genética: A genética da antecipação
Ocasionalmente, há fatores pouco comuns que influenciam o facto de uma criança nascer ou não com uma doença genética.
Um desses exemplos é o erro molecular que causa o síndrome do X frágil, uma doença rara que está associada a atrasos mentais. A mutação que leva a um cromossoma X frágil não é um erro típico do DNA, em que haja uma troca de nucleótidos ou em que algum nucleótido se perca. Em vez disso, o que acontece é uma espécie de "gaguejo" por parte da enzima DNA polimerase (que copia o DNA). Este "gaguejo" gera uma série de repetições de uma sequência de DNA que é composta apenas por três nucleótidos: CGG.
Algumas pessoas têm apenas uma repetição do tripleto CGG. Logo, têm duas cópias da repetição num gene e a sequência extra é CGGCGG. Outras têm mais de mil cópias da repetição. Estas pessoas são aquelas que são afetadas com maior severidade pela doença.
O número de repetições do tripleto parece aumentar à medida que o cromossoma é transmitido através de várias gerações. Deste modo, os netos de um homem com síndrome do X frágil, que não é ele próprio afetado, têm um risco de 40% de atraso mental se herdarem o cromossoma com as repetições. O risco para os bisnetos é ainda maior: 50%.
Intrigados pelo facto da repetição de tripletos causar doenças genéticas, os cientistas têm procurado outros exemplos de doenças associadas a expansões do DNA. Até à data, já foram en-contradas mais de uma dúzia destas doenças e todas elas afetam o sistema nervoso.
A análise das raras famílias em que estas doenças são comuns, tem revelado que a expansão da repetição de tripletos está associada a algo chamado antecipação genética (quando os sintomas de uma doença aparecem cada vez mais cedo e são cada vez mais severos a cada geração sucessiva).
A guerra dos sexos
Um outro processo, chamado imprinting, ocorre naturalmente nas nossas células e é um outro exemplo de como a epigenética afeta a atividade dos genes.
Para a maioria dos genes, as duas cópias funcionam exatamente da mesma forma. No entanto, para alguns genes de mamíferos, só a cópia materna ou paterna é ativada, independentemente do género do filho. Isto ocorre porque os genes são marcados químicamente, ou imprinted, durante o processo de geração dos óvulos e dos espermatozoides.
Como resultado, o embrião que surge da junção do óvulo e do espermatozoide é capaz de distinguir se o gene veio da mãe ou do pai e, portanto, sabe qual a cópia do gene a desativar.
O fator de crescimento semelhante à insulina 2 (Igf2), que ajuda no crescimento do feto dos mamíferos, é um exemplo de um gene que sofre imprinting. Neste caso, só a cópia paterna do Igf2 é expressa ao longo da vida dos descendentes. A cópia materna mantém-se inativa (não é expressa).
Os cientistas descobriram que este "silenciamento" seletivo do Igf2, e de outros genes, ocorre em todos os mamíferos placentários examinados até ao momento, mas não nas aves.
Porque será que a Natureza tolera um processo que coloca o organismo em risco porque só uma das cópias do gene funciona? Segundo muitos investigadores, a razão mais provável é o conflito de interesses existente entre mães e pais cujo campo de batalha é o DNA!
O cenário é o seguinte: é do interesse do pai que os seus embriões cresçam rapidamente, porque isso vai melhorar a probabilidade dos descendentes sobreviverem após o nascimento. Quanto maior for a hipótese do indivíduo sobreviver à infância, maior é a hipótese de chegar a adulto, acasalar e passar os seus genes à geração seguinte.
Claro que as mães querem crias fortes mas, ao contrário dos pais, as mães gastam recursos físicos com o embrião durante a gravidez. Ao longo da sua vida, uma fêmea provavelmente ficará grávida várias vezes, portanto ela necessita dividir os recursos entre os embriões das diferentes gravidezes.
Desde a primeira descoberta em 1991, os investigadores já descobriram mais de 200 genes que sofrem imprinting em mamíferos. Hoje sabemos que o imprinting controla alguns dos genes que têm um papel importante na regulação do crescimento embrionário e fetal e na distribuição dos recursos maternos. Não é portanto surpresa que as mutações nestes genes causem importantes anomalias de crescimento.
Marisa Bartolomei, da Escola de Medicina da University of Pennsylvania, em Philadelphia, está a tentar perceber como é que o Igf2 e outros genes ficam imprinted e silenciosos ao longo da vida do indivíduo. Já identificou sequências nesses genes que são essenciais para o imprinting. Bartolomei e outros investigadores mostraram que estas sequências, chamadas isoladores, servem como pontos de ligação para uma proteína que impede a transcrição do gene que sofre imprinting.
Começar pelo fim
Quando pensamos no DNA, pensamos nos genes. Porém, algumas sequências de DNA são diferentes: não codificam RNA ou proteínas. Os intrões, que descrevemos no Capítulo 1, pertencem a esta categoria.
Um outro exemplo são os telómeros – as extremidades dos cromossomas. Os telómeros não têm genes, mas têm uma função essencial. Tal como os atacadores dos sapatos sem um remate, os cromossomas sem telómeros desenrolam-se e desgastam-se. E, sem telómeros, os cromossomas unem-se uns aos outros e provocam alterações prejudiciais às células, como divisões anómalas.
Os investigadores já sabem bastante sobre os telómeros, desde as experiências realizadas nos anos 1970 por Elizabeth Blackburn, uma investigadora que tinha curiosidade acerca de alguns dos acontecimentos fundamentais que ocorrem dentro da célula.
Naquela época, Blackburn, agora na University of California, em San Francisco, estava a trabalhar com Joseph Gall na Yale University. Como sistema experimental, ela escolheu um organismo unicelular chamado Tetrahymena. Estas pequenas criaturas em forma de pêra estão recobertas por cílios que usam para se deslocarem na água, à medida que vão devorando bactérias e fungos.
O Tetrahymena é um bom organismo para as experiências de Blackburn porque tem um elevado número de cromossomas, o que significa que tem muitos telómeros!
Esta investigação foi também feita na época adequada, já que os métodos de se-quenciação do DNA estavam então a ser desenvolvidos. Blackburn descobriu que os telómeros do Tetrahymena tinham uma sequência nucleotídica pouco usual, repetida cerca de 50 vezes em cada telómero: TTGGGG.
Desde então, os cientistas têm vindo a descobrir que os telómeros da maioria dos organismos têm sequências de DNA repetidas com muitos Ts e Gs. Por exemplo, nos telómeros dos seres humanos e dos ratos, a sequência repetida é TTAGGG.
O número de repetições nos telómeros varia imenso, não só entre diferentes organismos, mas também entre diferentes células do mesmo organismo e até na mesma célula ao longo do tempo. Blackburn argumentava que o número de repetições poderia variar se as células tivessem uma enzima que adicionasse cópias da sequência repetitiva aos telómeros de alguns, mas não a todos, os cromossomas.
Com a ajuda da sua estudante de Doutoramento naquela época, Carol Greider (agora na Johns Hopkins University), Blackburn procurou a enzima. A equipa descobriu-a e Greider chamou-lhe telomerase. Blackburn, Greider e Jack Szostak, da Harvard Medical School, em Boston, partilharam o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 2009, pelas descobertas sobre os telómeros e a telomerase.
E resulta que a enzima telomerase tem um componente proteico e um componente de RNA, que a enzima usa como molde para copiar a sequência repetitiva de DNA.
Qual é a função natural da telomerase? À medida que as células se vão dividindo, os telómeros vão ficando cada vez mais curtos. A maioria das células normais, deixa de se dividir quando os telómeros se gastam até um certo ponto e, eventualmente, as células morrem. A telomerase pode contrariar este encurtamento. Ao adicionar DNA aos telómeros, a telomerase reconstrói o telómero e reinicia o relógio molecular da célula.
A descoberta da telomerase despoletou novas ideias e milhares de novos estudos. Muitos investigadores pensaram que a enzima poderia ser importante no cancro e no envelhecimento. Os investigadores esperavam encontrar formas de ativar a telomerase para que as células se continuas-sem a dividir (por exemplo, para obter células extra para vítimas de queimaduras) ou desativar a telomerase para que as células parassem de se dividir (para parar o cancro, por exemplo).
Até agora, não têm sido bem sucedidos. Embora esteja claro que a telomerase e o envelhecimento celular estão relacionados, os investigadores não sabem se a telomerase tem ou não um papel no envelhecimento celular normal ou em doenças como o cancro.
No entanto, recentemente, Blackburn e uma equipa de outros cientistas, descobriram que o stress crónico e a perceção de que a vida é stressante afetam o tamanho dos telómeros e a atividade da telomerase nas células de mulheres saudáveis. Blackburn e os seus colegas estão agora a fazer uma experiência a longo prazo para confirmarem estes intrigantes resultados.
O outro genoma humano
Antes que pense que está tudo dito sobre o DNA, há um pequeno detalhe que ainda não mencionámos: em todas as células, há DNA que é bem diferente daquele sobre o qual temos estado a falar até agora. Este DNA especial não está nos cromossomas, nem sequer dentro do núcleo da célula, onde se encontram todos os cromossomas!
Onde está este DNA especial? Está dentro das mitocôndrias, os organelos das células que produzem uma molécula rica em energia, a adenosina trifosfato (ou ATP). Mendel nada sabia sobre as mitocôndrias, já que estas só foram descobertas no final do século XIX. E só na década de 1960 é que os investigadores descobriram o genoma mitocondrial, que é circular, tal como os genomas das bactérias.
Nas células humanas, o DNA mitocondrial representa menos de 1% do DNA total de cada célula. O genoma mitocondrial é muito pequeno: contém apenas cerca de 35 genes. Estes genes codificam algumas das proteínas da mitocôndria, mas também RNAs ribossómicos que são usados na síntese de proteínas para o organelo.
Porém, as mitocôndrias precisam de muitas mais proteínas, e a maioria é codificada por genes localizados no núcleo. Assim, a capacidade de produção de energia das mitocôndrias humanas (parte vital da saúde de qualquer célula), depende da coordenação e trabalho de equipa de centenas de genes localizados em dois "bairros" celulares: o núcleo e a mitocôndria.
O DNA mitocondrial é transcrito e o RNA traduzido por enzimas que são muito diferentes daquelas que desempenham essa função nos genes dos cromossomas. As enzimas mitocondriais são parecidas e atuam como as das bactérias, o que não é surpreendente, visto pensar-se que as mitocôndrias tiveram origem em bactérias livres que foram fagocitadas por outra célula há mais de mil milhões de anos.
Os cientistas associam defeitos no DNA mitocondrial a uma ampla gama de doenças relacionadas com a idade, incluindo doenças neurodegenerativas, algumas doenças cardíacas, diabetes e vários cancros. No entanto, ainda não está claro se os danos nas mitocôndrias são um sintoma ou a causa desses problemas de saúde.
Os cientistas também estudam o DNA mitocondrial por outro motivo: para compreenderem a história dos seres humanos. Ao contrário do nosso DNA cromossómico, que herdamos de ambos os progenitores, o DNA mitocondrial é herdado apenas das nossas mães.
Deste modo, é possível deduzir quem seriam os nossos ancestrais maternos ao seguir a hereditariedade de mutações no DNA mitocondrial. Por razões que ainda não estão bem esclarecidas, no DNA mitocondrial acumulam-se mutações mais rapidamente que no DNA cromossómico. Portanto, é possível traçar a nossa ancestralidade materna bem para além dos parentes que conhecemos...até à "Eva Africana", a ancestral de todos nós!
As ferramentas da genética: DNA recombinante e clonagem
No início da década de 1970, os cientistas descobriram que podiam alterar as características genéticas de um organismo, inserindo material genético de outro organismo nas suas células. Esta descoberta, que causou bastante furor, abriu o caminho para muitos dos extraordinários feitos da investigação médica dos últimos 35 anos.
E como é que os cientistas passam genes de um organismo para outro? O trabalho de "corta e cose" é feito por tesouras químicas enzimáticas. Consideremos, por exemplo, o caso da insulina. Digamos que um cientista quer produzir grandes quantidades desta proteína para tratar a diabetes. Decide transferir o gene humano da insulina para uma bactéria, a Escherichia coli ou E. coli, que é vulgarmente usada na investigação genética (veja Laboratórios vivos). Como a E. coli se reproduz muito rapidamente, quando uma bactéria tem o gene humano da insulina, rapidamente se obtêm milhões de bactérias com o gene.
O primeiro passo é cortar o gene da insulina da versão copiada (ou "clonada") do DNA humano, usando uma enzima bacteriana especial chamada endonuclease de restrição. (O papel normal destas enzimas na bactéria é a degradação de DNA de vírus e outros invasores.) Cada enzima de restrição reconhece e corta numa sequência nucleotídica diferente. É então possível ser-se muito preciso no corte do DNA selecionando, de entre as centenas de enzimas que existem, uma que corte na sequência desejada. A maioria das endonucleases de restrição fazem incisões ligeiramente desfasadas, originando as extremidades coesivas (sticky ends), de onde sobressai uma das cadeias.
O passo seguinte neste exemplo é inserir o gene humano da insulina no DNA bacteriano circular (chamado plasmídeo). A união das extremidades é feita por uma outra enzima (obtida a partir de um vírus) chamada DNA ligase. As extremidades coesivas unem-se como peças de um puzzle. O resultado é uma mistura "corta e cose" de DNA humano e bacteriano.
O último passo é voltar a colocar o DNA recombinante da E. coli e deixar que a bactéria se reproduza numa placa de Petri. O cientista tem assim uma ótima ferramenta: uma versão da E. coli que produz grandes quantidades de insulina humana, que pode ser usada no tratamento de pessoas com diabetes.
E o que é a clonagem? Em sentido estrito, clonar é fazer muitas cópias. Contudo, o termo é habitualmente usado para referir a produção de muitas cópias de um gene, como no exemplo da E. coli. Os investigadores também podem clonar organismos completos, como a ovelha Dolly, que continha material genético idêntico ao de uma outra ovelha.
Compreendeste?
Para além da sequência de nucleótidos nos genes, que outro tipo de alterações no DNA e RNA podem afetar quem somos e a nossa saúde?
Para além das vacinas e medicamentos já existentes, consegues imaginar tratamentos desenvolvidos a partir da informação genética e novas ferramentas moleculares?
Qual é a diferença entre clonar um gene e clonar um animal ou uma pessoa? Como é que os investigadores usam a clonagem genética para estudar a saúde e as doenças?
Há alguma doença recorrente na tua família?