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A Nova Genética

Capítulo 3: A árvore genética da vida

Ilustração de uma árvore com o tempo mapeado em relação ao aparecimento das primeiras espécies e a atualidade.

Em toda a Biologia, há algo que nunca muda. Esse algo, por incrível que pareça, é a mudança!

Todos os milhões de seres vivos diferentes na Terra – plantas, bactérias, insetos, chimpanzés, pessoas e tudo mais – surgiram pelo processo de evolução biológica, devido à qual os organismos vão mudando ao longo do tempo.

Devido à evolução biológica, os primeiros seres humanos adquiriram a capacidade de caminhar sobre dois membros. Devido à evolução, as baleias, que respiram ar, podem viver nos oceanos, apesar de serem mamíferos como nós. Devido à evolução, algumas bactérias podem viver em água fervente, outras podem sobreviver em gelo sólido e ainda outras podem viver nas profunde-zas da Terra, alimentando-se apenas de rochas!

A evolução acontece todos os dias e afeta todas as espécies, incluindo os seres humanos. Altera populações inteiras, não indivíduos. E tem um grande impacto na investigação médica.

Everything Evolves

Charles Darwin descreveu a evolução na sua obra clássica, A Origem das Espécies.
Charles Darwin descreveu a evolução na sua obra clássica, A Origem das Espécies.

Para compreender a evolução, voltemos atrás no tempo, até 1854, quando o naturalista britânico Charles Darwin publicou A Origem das Espécies, um livro que tentava explicar como funciona a evolução.

A principal ideia da evolução é que todos os seres vivos partilham um ancestral comum. O primeiro ancestral de todas as formas de vida da Terra viveu há cerca de quatro mil milhões de anos. A partir desse organismo primitivo evoluíram milhões de criaturas, algumas ainda vivas, outras agora extintas.

A evolução requer diversidade. Podemos constatar que os seres vivos são diversos com um simples passeio pela rua: todas as pessoas são diferentes umas das outras. Os Chihuahuas são diferentes dos Dogues e os gatos Siameses são diferentes dos Persas.

Fotos de um Dálmata, um Chihuahua e uma mosca.

A evolução também depende da hereditariedade. Muitas das nossas características únicas são hereditárias – passam dos pais para os descendentes. E isto é fácil de ver: os cachorros Dálmatas parecem-se com um Dálmata, não com um Chihuahua. As petúnias são diferentes dos amores-perfeitos. A evolução atua sobre carateres hereditários.

Por fim, como provavelmente já sabe, a evolução favorece os mais "aptos". Devido ao processo de seleção natural, só alguns dos descendentes de uma determinada geração vão sobreviver o tempo suficiente para se poderem reproduzir.

Como exemplo, consideremos as moscas-domésticas. Cada uma põe milhares de ovos todos os dias. Porque é que ainda não dominaram o mundo? Porque a maioria das moscas bebés morre. As moscas que sobrevivem são aquelas que conseguem encontrar alimento...aquelas que evitam serem comidas, pisadas ou esmagadas...e aquelas que não se congelam, afogam ou aterram num aparelho mata-moscas.

As moscas que sobrevivem a todos estes perigos têm capacidade para viver mais tempo que a maioria dos seus irmãos e irmãs. Estes carateres hereditários dão ao organismo uma vantagem na sobrevivência. Aqueles que sobrevivem, vão acasalar entre si e vão passar DNA que codifica estas características vantajosas à geração seguinte.

Claro que nem todos os aspetos da sobrevivência são determinados por genes. O facto de uma mosca ser ou não esmagada depende de genes que afetam os seus reflexos (se é rápida o suficiente para evitar o golpe do mata-moscas), mas também do ambiente. Se não houver nenhum ser humano por perto a empunhar um mata-moscas, provavelmente a mosca sobrevive, independentemente dos seus reflexos.

Muitas vezes, é preciso muito tempo até a evolução se fazer notar. Mas também pode acontecer muito rapidamente, em especial nos organismos de vida curta. Por exemplo, como mencionámos antes algumas bactérias têm características moleculares que lhes permitem sobreviver na presença de antibióticos. Quando tomamos um antibiótico, as bactérias resistentes aos antibióticos prosperam enquanto que as bactérias sensíveis morrem.

Como a resistência aos antibióticos é uma ameaça crescente à saúde pública, é importante completar o tratamento e não parar de tomar o antibiótico quando nos sentimos melhor. E só devemos tomar antibióticos quando necessário, não em caso de gripes ou outras infeções víricas, que os antibióticos não tratam.

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Estudo seletivo

Os cientistas que fazem investigação médica têm grande interesse pelas variantes genéticas selecio nadas pela evolução. Por exemplo, os investigadores descobriram uma variante genética rara que evita a contração do vírus da SIDA. Uma variante genética é uma versão diferente de um gene, uma versão que tem uma sequência de nucleótidos ligeiramente diferente.

Os cientistas acham que a variante rara do gene CCR5 poderá ter sido selecionada pela evolução porque tornava as pessoas resistentes a um organismo que nada tem a ver com o HIV.

Montgomery Slatkin, da University of California, em Berkeley, usou técnicas de modelização matemática para mostrar que a ação da seleção natural ao longo do tempo pode explicar a frequência da variante do CCR5 nas populações humanas. O trabalho indica que a capacidade de proteção contra a SIDA da variante do CCR5 pode contribuir para a sua manutenção no conjunto de genes humano (gene pool).

Portanto, devido à evolução, os seres vivos mudam. Às vezes, isso é bom para nós, como quando compreendemos a resistência ao HIV e temos esperança na prevenção da SIDA. Mas, outras vezes, as mudanças não são tão boas (numa perspetiva humana), como quando as bactérias se tornam resistentes aos antibióticos.

Quer as consequências das alterações evolutivas sejam boas ou más, a compreensão deste processo pode ajudar-nos a desenvolver novas estratégias na luta contra doenças.

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Pistas da variação

Os cientistas já sabem bastante acerca do modo como as células "baralham" a informação genética para criar o genoma único de cada pessoa. Mas faltam ainda muitos detalhes sobre a contribuição desta variação genética para as doenças, o que faz com que esta seja uma área de investigação muito ativa.

Nucleótidos diferentes (neste exemplo, A ou G) podem surgir na sequência de DNA do mesmo cromossoma de dois indivíduos diferentes, criando um polimorfismo nucleotídico simples (SNP).
Nucleótidos diferentes (neste exemplo, A ou G) podem surgir na sequência de DNA do mesmo cromossoma de dois indivíduos diferentes, criando um polimorfismo nucleotídico simples (SNP).

O que os cientistas sabem é que a maior parte do genoma humano é igual em todos nós. A pequena variação genética (diferenças que correspondem a menos de 1% do nosso DNA) dá a cada um de nós uma personalidade, aparência e perfil de saúde únicos.

As partes do genoma humano em que as sequências de muitos indivíduos variam num único nucleótido, são conhecidas como polimorfismos nucleotídicos simples (SNPs – single-nucleotide polymorphisms).

Por exemplo, digamos que um certo nucleótido num dos nossos genes é o A. Porém, no nosso tio, o nucleótido no mesmo local poderá ser o G. Nós e o nosso tio temos versões ligeiramente diferentes desse gene. A estas diferentes versões dos genes, os cientistas chamam alelos.

Os haplótipos são combinações de variantes de genes, ou SNPs, que têm alta probabilidade de serem herdadas em conjunto na mesma região cromossómica. Neste exemplo, um haplótipo original (topo) evoluiu ao longo do tempo, surgindo quatro novos haplótipos que diferem apenas em alguns nucleótidos (a vermelho).
Os haplótipos são combinações de variantes de genes, ou SNPs, que têm alta probabilidade de serem herdadas em conjunto na mesma região cromossómica. Neste exemplo, um haplótipo original (topo) evoluiu ao longo do tempo, surgindo quatro novos haplótipos que diferem apenas em alguns nucleótidos (a vermelho).

Se dois genes estão lado a lado no cromossoma, os SNPs nesses genes tendem a ser herdados em conjunto. A este conjunto de SNPs vizinhos chama-se haplótipo (veja o desenho à direita).

A maioria das regiões cromossómicas têm apenas alguns haplótipos comuns a todos os seres humanos. Verificou-se que estes poucos haplótipos (em diferente combinação para cada pessoa) parecem ser responsáveis pela maior parte da variação entre os indivíduos de uma mesma população.

Os cientistas podem usar a informação sobre os haplótipos para comparar os genes de pessoas afetadas por uma doença com os de pessoas não afetadas. Por exemplo, esta aproximação revelou uma variação genética que aumenta significativamente o risco de degeneração macular associada à idade, a principal causa de perda de visão nos mais idosos. Os cientistas descobriram que um único SNP (um nucleótido dos três mil milhões do genoma humano) faz com que algumas pessoas tenham maior probabilidade de terem esta doença oftalmológica. A descoberta abre caminho para novos testes diagnósticos e tratamentos.

E no caso de outras doenças? Em 2007, uma equipa internacional completou o catálogo dos haplótipos humanos comuns. Desde aí, os investigadores têm estado a usar este catálogo para identificar genes associados com a suscetibilidade a muitas doenças comuns, incluindo a asma, a diabetes, o cancro e as doenças cardíacas.

Mas, nem todos os SNPs estão em genes. Os cientistas que estudam a variação genética também encontraram SNPs em DNA que não codifica proteínas. Ainda assim, alguns destes SNPs parecem afetar a atividade genética.

Alguns investigadores suspeitam que a variação "críptica" (escondida) associada aos SNPs localiza-dos no DNA não codificante, tem um papel importante na determinação das características físicas e comportamentais de um organismo.

Loren Rieseberg, da Indiana University, em Bloomington, é um cientista que adoraria resolver o mistério da variação críptica. Ele quer saber como é que esta variação genética não codificante pode ajudar na adaptação de organismos a novos ambientes. Está também curioso sobre se esta variação pode criar problemas a alguns indivíduos.

Fotografia de um pé de girassol.

Poderá surpreender-se ao saber que o principal objeto de estudo de Rieseberg é o girassol. Embora muitas plantas só produzam uma geração por ano, plantas como o girassol podem ser ferramentas muito úteis para os investigadores que estudam questões fundamentais da genética. Como o seu material genético é mais maleável que o de muitos animais, as plantas são excelentes modelos de estudo do modo como a evolução funciona.

Rieseberg achou apelativos os girassóis selvagens porque há várias espécies que vivem em habitats diferentes. Duas espécies ancestrais dos girassóis selvagens modernos crescem em ambientes temperados e têm uma ampla distribuição no centro e oeste dos EUA.

Plantas como estes girassóis são bons modelos para o estudo da evolução.
Plantas como estes girassóis são bons modelos para o estudo da evolução.

Três espécies de girassóis de evolução mais recente, vivem em ambientes mais especializados. Uma das novas espécies vive em dunas, outra cresce em solo desértico e a terceira cresce num sapal.

Para ver quão rápida pode ser a evolução de novas espécies de plantas, Rieseberg forçou as duas espécies de girassol ancestrais a cruzarem-se, algo que as plantas podem fazer e outros organismos não. Entre os descendentes híbridos, estavam plantas que eram idênticas às três espécies mais recentes! Isto significa que Rieseberg estimulou a evolução no seu laboratório de um modo semelhante ao que aconteceu na Natureza há 200 000 – 60 000 anos, quando as novas espécies surgiram.

O facto de Rieseberg ser capaz de o fazer isto é espantoso, mas a parte mais interessante da história é o modo como aconteceu. Os cientistas geralmente assumem que, para que se dê a evolução de uma nova espécie com características muito diferentes, têm que ocorrer muitas novas mutações.

Fotografia de sementes de girassol.

Mas, quando Rieseberg estudou os genomas dos seus girassóis híbridos, para sua surpresa, descobriu que eles eram simplesmente versões "corta e cose" dos genomas das espécies ancestrais de girassol: em vez de haver a criação de muitos SNPs novos, grandes segmentos tinham sido deslocados.

Rieseberg argumenta que as plantas guardam material genético que não usam, o que lhes dá um fornecimento constante de ingredientes que podem usar numa rápida adaptação a um novo ambiente. É possível que também os genomas humanos possam reciclar material genético não utilizado para enfrentar novos desafios.

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Laboratórios vivos

Veja a página Laboratórios vivos, que está também disponível sob a forma de poster. Para descarregar o poster, aceda a este link.

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O zoo do genoma

Os cientistas recorrem muito à imagem de uma árvore para representarem o modo como todos os organismos, vivos e extintos, são aparentados com um ancestral comum. Nesta "árvore da vida", cada ramo representa uma espécie, e as ramificações dos ramos mostram o momento em que as espécies (representadas por esses ramos) se tornaram diferentes umas das outras. Por exemplo, os investigadores estimam que o ancestral comum aos humanos e chimpanzés viveu há cerca de seis milhões de anos.

Embora seja óbvio que as pessoas e os nossos parentes vivos mais próximos, os chimpanzés, têm muito em comum, então e as espécies mais distantes? Se observarmos uma árvore evolutiva, veremos que os humanos são aparentados com os ratos, os vermes e até com as bactérias. A espécie ancestral que deu origem a todos eles viveu há muito mais tempo que o ancestral dos humanos e chimpanzés. No entanto, partilhamos centenas de genes com as bactérias.

Os cientistas usam o termo genómica comparativa quando comparam genomas de espécies diferentes para ver quão semelhantes (ou diferentes!) são as sequências de DNA dessas espécies. As sequências comuns entre as espécies são as pegadas moleculares do ancestral dessas espécies.

Porque é que o nosso genoma ainda tem sequências "velhas" de DNA? Na verdade, a natureza é bastante económica, portanto as sequências de DNA responsáveis por algo tão complexo e importante como o controlo da atividade genética podem ficar intactas durante milhões de anos.

Os estudos de genómica comparativa também têm implicações médicas. O que faria se quisesse desenvolver novos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento de uma doença humana que não ocorresse em animais?

Se as pessoas tivessem um gene que influenciasse o seu risco para uma doença, e os ratos tivessem esse mesmo gene, poderia estudar algum aspeto da doença em ratos, mesmo que eles nem sequer tivessem os sintomas da doença. Poderia até estudar a doença em leveduras, se estas também tivessem o gene.

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Começar tudo outra vez

As células estaminais (o que constitui os embriões alguns dias depois da fertilização do óvulo pelo espermatozoide) têm a capacidade espantosa de se desenvolverem em qualquer tipo de célula do corpo, desde a pele ao coração, músculo ou nervo.

Célula estaminal.
PHILLIP NEWMARK

Intrigados pelo potencial destas células mestre, os cientistas querem saber o que é que dá às células estaminais a capacidade de se transformarem num tipo de célula específico a pedido do corpo mas, até lá, se manterem num estado de "eu posso fazer tudo".

Alguns investigadores estão a tentar descobrir como é que as células estaminais funcionam usando um modelo singular: diminutos vermes de água doce chamados planárias. Estes vermes são como células estaminais, no sentido em que se conseguem regenerar. É possível cortar uma planária em centenas de pedaços e cada um deles vai crescer até formar um verme completo.

A semelhança entre as planárias e as células estaminais não é coincidência. Os cientistas descobriram que as planárias conseguem essa regeneração devido à presença de células estaminais especializadas no seu corpo.

O biólogo do desenvolvimento Alejandro Sánchez Alvarado, da Escola de Medicina da University of Utah, em Salt Lake City, usou a técnica de silenciamento de genes RNAi (veja a secção Interferência pelo RNA) para identificar os genes da planária essenciais à regeneração. Ele e a equipa esperam descobrir como é que estes genes permitem que as células estaminais especialzadas se desloquem ao local da ferida e se "transformem" em qualquer um dos cerca de 30 tipos de células necessários à recriação de um verme adulto.

Embora nós sejamos parentes muito afastados das planárias, temos muitos genes em comum. Portanto, estas descobertas poderiam revelar estratégias para regenerar partes do corpo também em pessoas.

Os cientistas também descobriram como reprogramar geneticamente células humanas da pele (e outras células de obtenção fácil) para que mimetizem as células estaminais dos embriões. Em teoria, estas células estaminais com pluripotência induzida poderiam gerar qualquer tipo de célula e serem usadas no tratamento de doenças. Mas, para alcançar este potencial, necessitamos de uma melhor compreensão das propriedades destas células e de como produzir células com eficácia e segurança para fins terapêuticos.

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Os genes encontram-se com o ambiente

Quando toxinas ambientais entram nos nossos corpos, nem sempre ficamos doentes. Isto deve-se ao facto de as enzimas do fígado entrarem em ação e transformarem as toxinas em químicos menos nocivos. Os genes que codificam essas enzimas estão sob constante pressão evolutiva para se adaptarem rapidamente a novas toxinas.

Por exemplo, certas enzimas hepáticas, as citocromo P450, metabolizam (ou degradam) hormonas produzidas pelo nosso corpo, bem como muitas das substâncias alheias com as quais entramos em contacto. Estas, incluem moléculas nocivas, como agentes cancerígenos, mas também moléculas benéficas, como medicamentos. De facto, apenas dois genes da família da citocromo P450, o 3A4 e o 3A5, codificam as proteínas que processam mais de metade de todos medicamentos hoje vendidos.

Como os químicos aos quais estamos expostos variam tanto, os cientistas previam que existissem diferentes variantes dos genes da citocromo P450 em diferentes populações humanas. Recorrendo à genómica comparativa, investigadores como Anna Di Rienzo, da University of Chicago, demonstraram isso mesmo. Di Rienzo detetou muitas diferenças nas sequências destes genes em pessoas de diferentes partes do mundo.

Os cientistas descobriram que algumas populações africanas próximas do Equador têm uma alta frequência de uma variante genética que ajuda o corpo a conservar água.
Os cientistas descobriram que algumas populações africanas próximas do Equador têm uma alta frequência de uma variante genética que ajuda o corpo a conservar água.

Há uma variante do gene que codifica a proteína 3A5 da citocromo P450, que faz com que esta enzima seja muito eficiente na degradação do cortisol, uma hormona que aumenta os níveis de sal nos rins e que ajuda o corpo a reter água. Di Rienzo comparou as sequências de DNA do gene da 3A5 em amostras de mais de 1000 pessoas, representando mais de 50 populações de todo o mundo. Ficou espantada quando encontrou uma relação muito estreita entre a existência da variante do gene e a origem geográfica das pessoas que a possuem.

Di Rienzo descobriu que havia uma maior probabilidade das populações africanas que vivem próximo do Equador terem a variante do gene 3A5 que poupa sal, do que as outras populações. Como a retenção de sal ajuda a prevenir a desidratação causada pelo calor intenso, ela sugere que isto ocorre porque esta variante confere um benefício às pessoas que vivem num clima muito quente.

O fígado e os rins são suscetíveis a danos causados por toxinas porque estes órgãos processam químicos.
O fígado e os rins são suscetíveis a danos causados por toxinas porque estes órgãos processam químicos.

Contudo, parece haver um custo associado a esse benefício: a variante do gene 3A5 aumenta o risco de alguns tipos de hipertensão arterial. Isso significa que, em ambientes onde a retenção de sal não seja benéfica, a evolução seleciona negativamente esta variante do gene.

Uma outra cientista que também estuda interações entre os genes e o ambiente é Serrine Lau, da University of Arizona, em Tucson. Ela estuda uma classe de moléculas nocivas chamadas polifenóis, que estão presentes no fumo dos cigarros e dos tubos de escape, e que causam cancro de rim em ratazanas e, quiçá, nos seres humanos.

Lau descobriu que as ratazanas e as pessoas que são mais sensíveis a alguns dos produtos de degradação dos polifenóis têm uma sequência de DNA inusual – uma assinatura genética – que aumenta o risco de desenvolverem cancro. Ela suspeita que o gene afetado codifica um supressor de tumores (uma proteína que previne o desenvolvimento de cancro). Segundo ela, nas pessoas e ratazanas que possuam essa assinatura genética, o supressor não funciona corretamente e, portanto, o tumor cresce.

Levando este raciocínio mais além, é possível que a constituição genética de certas pessoas as tornem mais suscetíveis a danos no DNA causados pela exposição a carcinogénios. Como diz Lau, se os médicos conseguissem identificar as pessoas em risco, essas pessoas poderiam tomar cuidados para evitar o contacto com químicos específicos e, assim, protegerem a sua saúde.

No entanto, considere este cenário: quem deveria tomar essas decisões? Por exemplo, seria ético um empregador recusar contratar alguém porque essa pessoa tem uma assinatura genética que a torna mais suscetível ao cancro, se for exposta a um produto químico usado no local de trabalho? É uma questão de difícil resposta.

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Nós e a genética: Temos ritmo!

O que é que há em comum entre acordar, adormecer, comer, a reprodução e as aves que voam para o Sul? Todos estes são exemplos do fantástico sentido de ritmo da natureza. Todos os seres vivos estão equipados com relógios moleculares que estabelecem o pulso da vida.

Se alguma vez atravessou um grande país ou um oceano em avião, estará a par da importância destes relógios. Provavelmente sentiu essa desgraça dos viajantes que é o jet lag, em que o corpo é forçado a uma adaptação rápida a um novo fuso horário.

Mas, sabia que certas formas de insónia e doença maníaco-depressiva estão também associadas com o mau funcionamento dos relógios biológicos? E que os ritmos biológicos podem ser o motivo pelo qual alguns medicamentos e tratamentos cirúrgicos parecem funcionar melhor a certas horas do dia?

Ilustração do Sol e de como este afeta o cérebro.

O corpo humano mantém-se a par do tempo com um "relógio mestre" chamado núcleo supraquiasmático (SCN). Situado no interior do cérebro, é um pequeno pedaço de tecido do tamanho de um grão de arroz localizado atrás dos olhos. Fica muito próximo ao nervo ótico, que controla a visão, e isto significa que o "relógio" SCN pode manter-se a par do dia e da noite. Dando-lhe tempo suficiente, o nosso SCN pode ser reajustado após uma viagem de avião entre fusos horários.

O SCN ajuda a controlar o sono, coordenando as ações de milhares de milhões de "relógios" miniatura localizados por todo o corpo. Estes não são realmente relógios, mas sim conjuntos de genes dentro de aglomerados de células que se "ligam e desligam" com um ciclo regular de 24 horas – o nosso dia fisiológico.

Estas oscilações de 24 horas são chamadas de ritmo circadiano pelos cientistas. ("Circadiano" deriva das palavras latinas circa diem, que significam "aproximadamente um dia.") Os investigadores descobriram que todos os seres vivos – plantas, animais e bactérias – têm ritmos circadianos. Muitos investigadores que trabalham com insetos e outros sistemas modelo já identificaram genes que são muito importantes no controlo do tempo biológico.

Colagem de um relógio e uma árvore.

A compreensão dos ritmos circadianos vai ajudar os cientistas a compreender melhor as doenças do sono. Se tivermos oportunidade, a maioria de nós dorme sete a oito horas por noite e, se não dormirmos o suficiente, poderemos ter dificuldade em fazer as nossas tarefas no dia seguinte. No entanto, algumas pessoas dormem apenas três ou quatro horas de modo rotineiro. Os investigadores têm notado que esta característica parece ser comum em familiares, o que sugere que poderá haver uma relação genética.

Curiosamente, as moscas-da-fruta precisam de dormir mais horas do que as pessoas. A neurocientista Chiara Cirelli, da University of Wisconsin­Madison, fez uma pesquisa genética em busca de mutantes da mosca-da-fruta que não dormissem muito. Descobriu que as moscas que têm uma variante do gene chamado shaker dormem só três a quatro horas por noite.

Embora as moscas shaker não pareçam sofrer sintomas de privação de sono, Cirelli descobriu que elas têm um problema diferente: não vivem durante tanto tempo como as moscas sem esta mutação. Ela está agora a estudar esta nova ligação entre o sono e o tempo de vida.

O seu trabalho pode também abrir caminho para melhores auxiliares do sono e tratamentos mais efetivos para o jet lag.

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Os animais a ajudar as pessoas

Recorrendo a tecnologia que surgiu a partir do Projeto do Genoma Humano, os cientistas já leram as sequências dos genomas de centenas de organismos: cães, ratos, galinhas, abelhas, moscas-da-fruta, ouriços-do-mar, peixes-balão, ascídias, vermes e muitas bactérias e fungos. Na fila estão dezenas de espécies adicionais, incluindo um sagui, uma raia, uma alpaca, um urso-formigueiro e muitos répteis.

Que efeito vai ter toda esta informação sobre sequências genéticas na investigação médica? Já mencionámos o facto de as pessoas partilharem muitos genes com outras espécies. Isto significa que, quando os cientistas leem a sequência do genoma de outra espécie, há uma grande probabilidade de descobrirem que esse organismo tem muitos dos genes que, nos humanos, causam doenças ou aumentam o risco de doença quando sofrem uma mutação.

Drosophila melanogaster, uma mosca-da-fruta.

Consideremos o exemplo da mosca-da-fruta. Segundo o biólogo Ethan Bier, da University of California, em San Diego, é provável que 30% dos genes de doenças humanas já identificados tenham um correspondente na Drosophila melanogaster, uma espécie de mosca-da-fruta muito utilizada na investigação genética (veja a secção Laboratórios Vivos).

Atualmente, Bier e outros cientistas estão a usar moscas experimentais para investigarem uma ampla gama de genes envolvidos em doenças como a cegueira, a surdez, o atraso mental, a doença cardíaca e no modo como as toxinas bacterianas causam problemas de saúde.

Com a leitura das sequências de DNA de muitas outras espécies, os investigadores esperam encontrar sistemas modelo que sejam ainda melhores que a mosca-da-fruta para o estudo de alguns aspetos de doenças humanas.

Por vezes, os genes que não temos em comum com outras espécies são tão importantes como aqueles que partilhamos. Por exemplo, considere o facto de os humanos e os chimpanzés terem capacidades e características físicas marcadamente diferentes. No entanto, o genoma do chimpanzé é 99% idêntico ao nosso.

E sabia que os chimpanzés não sofrem de malária ou SIDA?

Assim, há uma diminuta porção do nosso genoma que determina se nos parecemos e comportamos como uma pessoa ou como um chimpanzé e se somos ou não suscetíveis à malária ou SIDA.

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O meu colega é um computador

Argumentámos que a comparação de genomas pode dar-nos informação sobre os ingredientes genéticos básicos para saúde e as causas de doenças. Mas o que é que um cientista realmente faz quando compara sequências genéticas? Será que isto implica observar milhares de pági-nas de letras genéticas, em busca daquelas que são iguais ou diferentes?

Os computadores são uma ferramenta essencial para os cientistas armazenarem e analisarem enormes quantidades de dados genómicos.
Os computadores são uma ferramenta essencial para os cientistas armazenarem e analisarem enormes quantidades de dados genómicos. Leia mais sobre os computadores e a biologia em http://publications.nigms.nih.gov/computinglife (link externo).

Sim e não. É certo que a genómica comparativa envolve a procura de semelhanças e diferenças, mas não é algo que os cientistas façam à mão. Certamente, não para centenas de genes ao mesmo tempo.

Em vez disso, a gigantesca tarefa de comparar os nucleótidos que perfazem os genomas de duas ou mais espécies é o trabalho perfeito para um computador, um multifunções por excelência. Se considerarmos que o genoma humano tem três mil milhões de nucleótidos, facilmente nos apercebemos que este é um trabalho ideal para uma máquina (operada por um ser humano, claro).

Os biólogos computacionais ajudam na análise dos dados da genómica. Estes cientistas desenvolvem software que permite que os computadores façam comparações entre genomas. Entre outras coisas, os programas podem detetar onde é que se iniciam e terminam os genes no DNA: as suas "fronteiras".

Outros investigadores, que trabalham no campo da bioinformática, "mineram" a informação genómica escondida na enorme massa de dados. Procuram tesouros científicos, sob a forma de novos conhecimentos biológicos. Estas experiências podem detetar padrões antes ocultos e revelar relações entre diferentes campos de investigação.

Os bioinformáticos e os biólogos computacionais são muito requisitados porque têm um papel muito importante na ciência médica do século XXI. Estes cientistas têm que ser fluentes tanto em ciência dos computadores como em biologia.

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As ferramentas da genética: DNA ilimitado

Poderá ficar espantado ao saber que o ingrediente essencial para uma das ferramentas de investigação biológica mais importantes alguma vez inventada é um micróbio que vive em nascentes de água fervente no Parque Nacional de Yellowstone (EUA).

Um micróbio que vive em águas termais, como esta no Parque Nacional de Yellowstone, é a fonte da enzima que torna possível a reação em cadeia da polimerase (PCR).
Um micróbio que vive em águas termais, como esta no Parque Nacional de Yellowstone, é a fonte da enzima que torna possível a reação em cadeia da polimerase (PCR).

A Thermus aquaticus é uma bactéria que sintetiza uma enzima resistente ao calor e, por isso, consegue viver nas nascentes. A enzima, a Taq polimerase, é essencial para a técnica laboratorial chamada reação em cadeia da polimerase (PCR). A PCR é essencial para muitos dos estudos biológicos, e em muitos outros campos também. O inventor da PCR, Kary Mullis, ganhou o Prémio Nobel da Química em 1993.

A PCR é uma metodologia rápida e fácil que serve para gerar cópias ilimitadas de DNA, a partir de diminutas quantidades desta molécula. Palavras como "revolucionária" e "conquista" não são um exagero do seu impacto.

A PCR é o cerne dos métodos modernos de sequenciação de DNA. É essencial para a localização de mutações nos genes e, portanto, está na base de muita da investigação que discutimos nesta publicação. A PCR fez pelo material genético o que a invenção da imprensa fez pelo material escrito. Fez com que a cópia seja fácil, barata e esteja amplamente disponível.

Aparelho de PCR.
Aparelho de PCR.
APPLIED BIOSYSTEMS

A PCR está na base de muitas técnicas de diagnóstico, como a deteção de genes que causam cancro de mama. Também pode ajudar a diagnosticar doenças que não o cancro, como as infeções por HIV e hepatite C.

A PCR é um elemento chave da identificação genética (genetic fingerprinting), que tem ajudado na libertação de prisioneiros que usam este método para provar a sua inocência dos crimes pelos quais foram condenados. Do mesmo modo, tem fornecido evidência científica que ajudou à condenação de criminosos.

A PCR revolucionou até a arqueologia, ao ajudar na análise de DNA antigo (por vezes com milhares de anos) e danificado, o que pode revelar nova informação sobre os povos e culturas do passado.

Os cientistas preveem que, com os usos futuros da tecnologia de PCR, vão melhorar os tratamentos médicos, ao permitir melhores diagnósticos e uma classificação mais rigorosa das doenças.

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Compreendeste?

Discute as razões pelas quais os estudos com gémeos idênticos podem dar informação valiosa sobre a saúde e as doenças.

Os seres humanos e os ratos partilham mais de 80% do material genético; os chimpanzés e os humanos mais de 99%. Porque é que as pessoas e os outros animais são tão diferentes, se os seus genes são tão semelhantes?

És um cientista e queres aprender mais sobre o envelhecimento humano. Há alguma forma de abordares a tua investigação sem passares muitas décadas a estudar pessoas?

Consegues pensar numa experiência com moscas-da-fruta que pudesse ajudar os investigadores a perceberem melhor o jet lag?

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Traduzido e adaptado para a Casa das Ciências por Diana Barbosa em junho de 2013.