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A Nova Genética

Laboratórios vivos

Tal como a maioria das pessoas, é provável que ache que as moscas-da-fruta são só um incómodo na cozinha. Mas, sabia que os cientistas usam estes organismos na investigação médica?

As moscas-da-fruta e outros organismos modelo (como os ratos, plantas e peixes-zebra) permitem aos cientistas investigar questões que não se poderiam estudar de outra forma. Estes sistemas vivos são relativamente simples, baratos e fáceis de manusear.

Os organismos modelo são indispensáveis à ciência porque, embora pareçam ser muito diferentes de nós e entre si, na verdade, têm muito em comum no que diz respeito à química corporal. Mesmo os organismos que não têm um corpo, como os bolores e as leveduras, por exemplo, podem dar-nos pistas sobre o funcionamento dos tecidos e órgãos das pessoas.

Isto deve-se ao facto de que todos os seres vivos processam os nutrientes que consomem nos mesmos químicos (ou quase). Os genes para as enzimas envolvidas no metabolismo são semelhantes em todos os organismos.

Aqui, apresentamos uma amostra da ampla gama de laboratórios vivos que os cientistas usam para melhorar a saúde humana.

1. Escherichia coli: Bactéria

Escherichia coli : Bactéria

"Quando percebermos a biologia da Escherichia coli, vamos perceber a biologia de um elefante." Isto foi dito por Jacques Monod, um cientista francês que ganhou o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1965 pelo seu trabalho sobre a regulação genética. Monod foi um dos primeiros apoiantes de experiências com organismos simples, como as bactérias. E todas as bactérias são más? Se tudo o que ouviu sobre a E. coli tem a ver com a sua relação com a carne picada estragada, pode não se ter apercebido de que há estirpes não patogénicas desta bactéria que vivem no trato intestinal dos humanos e de outros animais, ajudando de muitas formas. Para começar, estas bactérias são uma importante fonte de vitaminas K e do complexo B. Também ajudam na digestão e conferem proteção contra infeções por bactérias nocivas.

Cientistas de todo o mundo uniram-se para sequenciar diferentes versões do genoma da E. coli. Entre outras coisas, estes estudos vão ajudar a distinguir as diferenças genéticas entre as bactérias que vivem num trato digestivo humano saudável e as que causam gastroenterites.

2. Dictyostelium discoideum: Amiba

Dictyostelium discoideum : Amiba
REX L. CHISHOLM

Esta amiba microscópica (são necessárias 100 000 para formar um agregado do tamanho de um grão de areia) é uma importante ferramenta em estudos de saúde. Os cientistas determinaram que a Dictyostelium discoideum (Dicty) tem entre 8 000 e 10 000 genes, muitos dos quais são semelhantes aos das pessoas e animais, mas não existem noutro organismo unicelular, a levedura. A Dicty foi descoberta nos anos 1930 numa floresta da Carolina do Norte (EUA) e, desde aí, tem sido encontrada por todo o mundo em habitats semelhantes.

As Dicty normalmente crescem como células independentes. Contudo, quando o alimento é limitado, células vizinhas acumulam-se umas em cima das outras e criam uma estrutura multicelular que pode conter até 100 000 células. Esta espécie de esfera viscosa desloca-se como uma lesma, deixando um rasto de baba. Depois de migrar para um ambiente mais adequado, a esfera transforma-se numa estrutura em forma de torre e dispersa esporos, cada um deles capaz de gerar uma nova amiba. Devido a estas propriedades invulgares e à capacidade de viver isolada ou em grupo, a Dicty intriga os investigadores que estudam a divisão celular, o movimento e outros aspetos do desenvolvimento de tecidos e órgãos.

3. Neurospora crassa: Bolor

Neurospora crassa : Bolor
NAMBOORI B. RAJU (cima), DAVID JACOBSON (baixo)

Provavelmente nunca pensou num pão bolorento como uma potencial experiência científica, mas milhares de investigadores à volta do mundo sim! O Neurospora crassa (Neurospora), que é uma espécie de bolor que cresce no pão, é um organismo modelo muito usado na investigação em genética.

Os biólogos gostam de usar o Neurospora porque cresce facilmente e tem características que o tornam muito adequado para responder a questões relacionadas com o aparecimento de novas espécies e a sua adaptação, bem como sobre o modo como as células e os tecidos mudam de forma em diferentes ambientes. Como o Neurospora produz esporos em ciclos de 24 horas, este organismo também é útil no estudo dos relógios biológicos que regulam o sono e outros ritmos biológicos.

4. Saccharomyces cerevisiae: Levedura

Saccharomyces cerevisiae : Levedura
ALAN WHEALS

Há centenas de leveduras diferentes, mas a Saccharomyces cerevisiae, aquela que os cientistas mais estudam, também faz parte da vida humana fora do laboratório. É esta a levedura que os padeiros usam para fazer o pão e os cervejeiros a cerveja.

Tal como o Neurospora, a levedura é um fungo (não é uma planta nem um animal, mas é parente de ambos). É também um eucariota (como o Neurospora), um organismo "superior", com um núcleo organizado e protetor, que contém os cromossomas. Os investigadores gostam da levedura porque cresce rapidamente, é barata de alimentar, de manipulação segura e é fácil trabalhar com os seus genes. Sabemos muito sobre os genes dos mamíferos porque os cientistas podem inserilos facilmente nas leveduras e depois estudar como funcionam e o que é que acontece quando não funcionam.

5. Arabidopsis thaliana: Erva-estrelada

Arabidopsis thaliana : Erva-estrelada
GARY DITTA

Os investigadores que estudam o crescimento das plantas usam muito a Arabidopsis thaliana (Arabidopsis), uma pequena planta com flor da família das couves e da mostarda. A Arabidopsis é apelativa para os biólogos porque tem quase todos os mesmos genes das outras plantas com flor, mas tem relativamente pouco DNA que não codifique proteínas, o que simplifica o estudo dos seus genes. Tal como as pessoas e as leveduras, as plantas também são eucariotas. A Arabidopsis cresce rapidamente, tardando apenas seis semanas a passar de semente a planta adulta – outra vantagem para os investigadores que estudam o modo como os genes afetam a biologia.

O que temos em comum com uma erva-estrelada? As células das plantas (e os componentes dessas células) comunicam umas com as outras de forma semelhante à das células humanas. Por esse motivo, as plantas são bons modelos de estudo de doenças genéticas que afetam a comunicação celular.

6. Caenorhabditis elegans: Verme

Caenorhabditis elegans : Verme

A Caenorhabditis elegans (C. elegans) é uma criatura bem mais pequena que o seu nome! Vários destes inofensivos vermes caberiam na cabeça de um alfinete, embora o seu habitat natural seja o solo. No laboratório vivem em placas de Petri e comem bactérias. O C. elegans contém apenas 959 células, e quase um terço delas formam o seu sistema nervoso. Os investigadores sabem a função de cada uma destas células!

Este verme é particularmente apreciado pelos biólogos porque é transparente, permitindo que se possa observar ao microscópio aquilo que se passa dentro do seu diminuto corpo. Para um animal tão pequeno e simples, o C. elegans tem muitos genes – mais de 19 000 (os humanos têm cerca de 20 000). A descodificação do genoma do C. elegans foi um grande marco da biologia, já que foi o primeiro animal cujo genoma foi completamente sequenciado. Os cientistas rapidamente se aperceberam que um grande número de genes de C. elegans são muito semelhantes aos de outros organismos, incluindo as pessoas.

7. Drosophila melanogaster: Mosca-da-fruta

Drosophila melanogaster : Mosca-da-fruta

A espécie de mosca-da-fruta mais utilizada em investigação é a Drosophila melanogaster (Drosophila). A mosca-da-fruta de um geneticista é igual às que vemos por aí a voar junto à fruta madura. Porém, no laboratório, algumas são expostas a químicos nocivos ou radiações, o que altera a sequência do seu DNA. Os investigadores deixam que as moscas acasalem e depois procuram, entre os descendentes, moscas com anomalias. As moscas mutantes depois acasalam e dão origem a mais descendentes com a anomalia, o que permite aos investigadores descobrirem quais os genes defeituosos envolvidos.

As moscas-da-fruta têm sido um dos organismos experimentais favoritos dos geneticistas desde o início do século XX. Podem viver centenas num frasco ou até num pequeno tubo, e reproduzem-se tão rapidamente que seguir um gene particular num par de gerações de Drosophila demora apenas cerca de um mês. Criar moscas com mutações em muitos genes é também relativamente fácil, o que permite aos cientistas estudar como é que os genes funcionam em conjunto.

8. Danio rerio: Peixe-zebra

Danio rerio : Peixe-zebra
MONTE WESTERFIELD

Os peixes-zebra foram descobertos em ribeiros, arrozais e no rio Ganges, no este da Índia e Birmânia. Também podem ser encontrados na maioria das lojas de animais e são um dos peixes favoritos dos aquariófilos.

Embora estes peixes já tivessem sido usados por alguns geneticistas no início da década de 1970, em anos mais recentes têm-se tornado um organismo modelo particularmente popular.

Muitos investigadores são atraídos pelo peixe-zebra porque tem ovos e embriões transparentes, o que faz com que se possa observar o decorrer do desenvolvimento. Num espaço de dois a quatro dias, as células do peixe-zebra dividem-se e formam as diferentes partes do corpo do peixe bebé: olhos, coração, fígado, estômago, etc. Por vezes, os investigadores deslocam uma célula para um outro local para verem se forma a mesma parte do corpo ou se reage de modo diferente. Esta investigação já nos elucidou sobre uma série de problemas de saúde humanos, incluindo malformações e o desenvolvimento correto do sangue, coração e ouvido interno.

Link externo
Aprender biologia humana com um peixe da publicação Inside Life Science.

9. Mus musculus: Rato

Mus musculus : Rato

O ramo da árvore genética da vida que eventualmente levou aos ratos e seres humanos dividiu-se há 75 milhões de anos, na era dos dinossauros. Mas ambos são mamíferos e partilham 85% dos genes. Como algumas doenças dos ratos e humanos são muito similares (por vezes até idênticas), os ratos têm um valor excecional na investigação.

Desde o final dos anos 1980 que os investigadores são capazes de criar ratos sem alguns genes. Os cientistas criam estes ratos "knock-out" para perceberem o que é que acontece quando um gene é removido. Isto dá-lhes valiosas pistas sobre a função normal do gene. A identificação destes genes em humanos ajudou à definição das bases moleculares de muitas doenças.

10. Rattus norvegicus: Ratazana

Rattus norvegicus : Ratazana

A ratazana foi o primeiro animal domesticado para uso científico. Atualmente, representa cerca de um quarto da investigação feita com animais nos EUA. As ratazanas de laboratório já são usadas há muitas décadas na testagem de medicamentos e muito do que se sabe sobre moléculas causadoras de cancro baseia-se em investigação básica feita com ratazanas.

Embora as ratazanas sejam mamíferos como os ratos, apresentam algumas diferenças importantes. São muito maiores que os ratos, o que facilita as experiências que envolvam o cérebro. Por exemplo, as ratazanas já nos ensinaram muito sobre o abuso de drogas e certas doenças neurológicas. As ratazanas são um muito melhor modelo que os ratos para os estudos sobre asma e lesões pulmonares. E, como no ser humano a artrite é muito mais comum nas mulheres, os estudos com ratazanas fazem mais sentido, porque também as ratazanas fêmea parecem ser mais suscetíveis a esta doença que os machos. Nos ratos, ocorre o oposto.

Traduzido e adaptado para a Casa das Ciências por Diana Barbosa em junho de 2013.